Era uma vez, uma menina que vivia com sua mãe, seu pai e seus irmãos, numa vila perto das montanhas. Ela era a filha mais velha da família, gostava muito de brincar pelas redondezas e de visitar sua avó, que morava muito distante. A mãe da menina não gostava que ela saísse de casa. Tinha medo de que ela se perdesse pela floresta e que encontrasse algum animal feroz e a devorasse. Falava sempre: – menina levada da breca, não sabes te defender dos perigos que rondam a floresta.
A menina dava de ombros e saía a cantarolar. Achava a mãe boba e presunçosa. Além disso, era muito esperta e sempre conseguia sair com a desculpa de levar para a vovó os seus doces preferidos. A boa velhinha era carinhosa com a neta e bem relacionada nas redondezas, o que fazia com que a menina se sentisse mais segura. Contava com a compreensão e a cumplicidade de seu pai, que a amava muito. Mas quando ele não queria contrariar a mulher, dizia: se tua mãe deixar, eu também deixo. E nesses momentos, ela ficava achando que seu pai não tinha era coragem de assumir as suas opiniões. Um dia, muito decidida, encheu uma cesta de doces e de tudo que a vovó gostava e saiu ouvindo a contragosto, as recomendações de sua mãe, que, muito furiosa, dizia: sei que um dia ainda vais passar mal com tanta teimosia.
A menina seguiu com o cesto colhendo lindas flores silvestres, admirando a paisagem e cantando alegremente. Cantava e cumprimentava os animais. De repente, começou a chover e um jovem que ia passando, ofereceu-lhe abrigo numa cabana abandonada. A menina achou-o muito educado e bonito, e aceitou a sua ajuda. Ficaram conversando na cabana, e o rapaz, muito gentil, ofereceu-se para acompanhá-la quando a chuva passasse, pois conhecia tudo por ali.
– Conheces também a minha vovó? – Conheço, menina, passo por lá todos os dias, para entregar frutas e verduras, bem fresquinhas! Quando a chuva passou, ele a levou até bem perto da casa de sua avó e se despediu dela, com um sorriso matreiro.
A menina continuou seu caminho mais alegre e suspirando de emoção. A floresta agora parecia-lhe muito mais clara e bonita. Os raios de sol batendo em seu rosto brilhavam mais que antes. Saltitante, chegou à casa da vovó. Bateu na porta, mas o seu coraçãozinho batia mais forte ainda. A vovó não respondia aos seus apelos. Será que ela saiu? Pensou a menina.
O silêncio foi quebrado por uma voz rouca, que lhe lembrava outra voz, convidando-a a entrar pela janela. Ao chegar no quarto da vovó, tomou um grande susto, porque quem estava lá, deitado na cama, com aquele sorriso matreiro, era o rapaz que lhe levara para passar a chuva na cabana abandonada, agora com olhos, nariz e boca de lobo. Ela colocou a cesta no chão e perguntou muito indignada:
– Onde está a minha vovó? E porque estás deitado na cama dela nessa folga toda? – Ela saiu, menina, e pediu-me que te esperasse. – Enganaste-me, lobo maldoso, quero minha vovó! Eu, lobo maldoso? Como podes chamar-me assim? Vem cá, menina!
E a menina saiu correndo e gritando, assustada com aquela situação. Ficou com muito medo do rapaz de olhos, nariz e boca de lobo. Encontrou um caçador que por ali passava e lhe contou seu infortúnio.
– Moço, ajude-me, por favor, um rapaz de olhos, nariz e boca de lobo, deu sumiço na minha vovozinha, se deitou na cama dela e ficou a me esperar, estou muito assustada. O caçador entrou na casa, de espingarda em punho, e agora quem ficou assustado foi o rapaz de olhos, nariz e boca de lobo. Seu sorriso matreiro virou um susto só. O caçador amarrou o rapaz, que de tanto medo, não tinha mais olhos, nariz e boca de lobo. Soltou a vovó da menina que estava presa no porão e levou o rapaz algemado para a cadeia.
A menina abraçou a vovó, lanchou com ela e voltou para sua casa. E daquele dia em diante, passou a viver muito triste porque só pensava no rapaz de olhos, nariz e boca de lobo. Não mais cantava, não brincava com suas amigas. Só fazia conversar com as flores e com os passarinhos. Só a eles ela contava o seu segredo, a mais ninguém. Um dia, ela se escondeu na sombra de uma árvore e ficou chorando baixinho. Sentia muita pena do rapaz de olhos, nariz e boca de lobo, preso naquela cadeia, sozinho e abandonado. Ela começava a achar que o castigo que ele recebera fora muito severo e já estava durando muito. Os passarinhos lhe aconselharam a procurar ajuda para tirar o rapaz da cadeia. A menina teve uma idéia e cochichou no ouvido do passarinho amarelo.
– Passarinho, passarinho do meu coração, acho que podes me ajudar. És tão bom e gentil, ninguém vai te expulsar se apareceres na janela da cadeia. Poderás verificar como está o rapaz de olhos, nariz e boca de lobo. Poderás levar-lhe um recado meu. O que achas? – Excelente idéia, minha menina, tão excelente, que já brilham os teus olhinhos! E o passarinho amarelo saiu cantarolando a sua mais linda canção. Chegando lá, pousou no parapeito da janela e viu o rapaz de olhos, nariz e boca de lobo sentado no chão com as mãos no rosto. Parecia muito triste. Passarinho amarelo começou a cantar para ele, que levantou a cabeça e se alegrou. Quando passarinho amarelo terminou a linda canção, o rapaz perguntou:
– que queres de mim, passarinho amarelo? Acaso serás capaz de arrancar-me desta tão grande tristeza? – Fala, ó belo rapaz de olhos, nariz e boca de lobo! Como poderei arrancar-te desta tão grande tristeza? – Vai, passarinho amarelo, cantar na janela de minha amada. Canta a mais linda canção de amor que conheceres e ficarei feliz.
Passarinho amarelo voou, voou e pousou na janela da menina. Era noite e ela já dormia. De repente, como se fosse num sonho, a menina ouviu uma linda canção de amor. Levantou-se, foi até a janela, e lá estava passarinho amarelo cantando uma linda canção de amor. A menina ouviu encantada e quando passarinho amarelo terminou, ela perguntou:
– quem mandou para mim, tão bela canção de amor passarinho amarelo? – Menininha tristonha, alegra teu coração, porque foi o teu belo jovem de olhos, nariz e boca de lobo quem te enviou esta linda canção de amor.
– Passarinho amarelo, volta e diz ao meu amado, que tudo farei para tirá-lo daquela prisão, mesmo que para isto, eu jamais possa passear pelos campos floridos, nem sentir os raios do sol queimando a minha pele, nem colher as flores perfumadas dos jardins da natureza. Passarinho amarelo voltou e viu o rapaz de olhos, nariz e boca de lobo olhando tristemente o céu através das grades da prisão. – Meu rapaz, cantei para tua amada, uma bela canção de amor e ela ficou feliz. – Meu bom e gentil passarinho amarelo, canta todos os dias uma canção de amor para minha amada. E ficará feliz meu pensamento. A menina contou tudo para uma amiga que compreendeu a sua dor e procurou a sua vovó. Conversando com o rapaz de olhos, nariz e boca de lobo na prisão a vovó se emocionou e pediu ao guarda que o soltasse. O guarda se comoveu com a história que a vovó da menina lhe contou e soltou o rapaz.
A menina ficou muito feliz quando passarinho amarelo lhe deu a notícia. Arrumou uma linda cesta de doces deliciosos, nem ligou para as reclamações de sua mãe que gritava furiosa, e saiu pela floresta cantarolando. Quando passava perto do rio, avistou o rapaz de olhos, nariz e boca de lobo cantando uma linda canção de amor. Passarinho amarelo cantava com ele e morria de amores pela menininha, mas ela não entendia.
– Como pode passarinho amarelo morrer de amores por uma menininha? Tão belo e gentil, como pode ter olhos para uma menininha? Só devo pensar no rapaz de olhos, nariz e boca de lobo. Ele, sim, pode morrer de amores por uma menininha.
Foram os três cantarolando uma linda canção de amor levar os doces e as flores para a vovó da menina, que ficou muito feliz. O caçador que ia passando, foi convidado para participar da festa. E daquele dia em diante, todas as noites, passarinho amarelo e o rapaz de olhos, nariz e boca de lobo, cantavam uma linda canção de amor na janela da menina.
Até que um dia, o pai, a mãe da menina, e todos, entenderam que não podiam mais afastá-la do rapaz de olhos, nariz e boca de lobo. Eles se casaram, tiveram filhos e não viveram felizes para sempre. Passarinho amarelo despediu-se e nunca mais voltou. Mas as suas canções de amor, o seu olhar cheio de ternura, o seu sorriso, ficaram no pensamento da menina, que nunca mais o esqueceu.
História inspirada no conto “Chapeuzinho Vermelho” e contextualizada para a época atual.
Maria de Lourdes O. Reis da Silva – Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Pedagoga pela Faculdade de Educação da Bahia, Psicopedagoga pela Universidade Católica de Salvador. Estudante do curso de Psicologia pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. Estudante do curso de Arteterapia pelo Instituto Junguiano da Bahia. Professora universitária.