Dentro do adeus literário de Philip Roth, foi produzida a novela A Humilhação. Adaptada ao cinema por Al Pacino, estreou este ano com o título O Último Ato. Conta a história de um ator veterano que, aos 66 anos, sentiu-se angustiado por achar que o seu talento foi engolido pelo envelhecimento. Sem nenhuma dor física que pudesse esconder a dor da falta de prestígio, começou a experimentar a violência da solidão quando esta foi interrompida por uma paixão. O arrebatamento desse amor o arrastou para o pico mais alto da paisagem da vida e o soltou de uma vez no vale onde o mar da solidão antecipa a angústia de esperar a passagem natural para o mistério da eternidade.
A medicina permitiu o envelhecimento da população. Essa condição empacotou o envelhecer com vários medos: o da solidão, o de morrer, etc. O passado, como se estivesse preso no presente, é esticado por uma corda pouco elástica chamada saudade que, cada vez mais, vai ficando tensa à medida que se vai vivendo. Para aliviar, alguns fazem do futuro uma parede intransponível que só é possível imaginar a inevitável aproximação de um grande mistério que só os mitos explicam. Para vivermos bem, precisamos adotar o mito de viver por séculos. A vida se comporta como se fosse continuar.
Seu personagem no livro A Humilhação – Simon Axler -, em seu declínio aos 66 anos, faz sua vida encaminhar-se para um fim trágico. Em sua inconformidade em não acreditar mais em si, faz sua mulher abandoná-lo por intolerância.
A imersão de Axler em seu mundo de trevas interior, sem um guia, só lhe deixa a tumultuada paisagem em que os jovens chegam para viver no lugar daqueles que, como ele, se encaminham para um canto escuro da sociedade: não podem ser vistos.
Sua memória lhe mostra a perda da beleza física e as histórias de um paraíso que foi perdido. Sua consciência não pegou o ângulo de visão em que ser velho é ser raro e caro como uma peça importante de museu que só se pode ver e nunca possuí-la. Ou que a sábia natureza modifica o corpo belo para que este não seja tão importante a ponto de nos dificultar dele o desapego. O que aquela consciência considerou foi o tempo que, como um monstro, nos engole dia após dia e nos faz lembrar quantas vezes ainda nosso coração fará o seu trabalho de expansão e constrição. Expansão é todo o tempo em que se vive – a referência do todo. Constrição é cada ano vivido que se torna uma fração desse todo. Isso fez Axler experimentar a sensação do rápido. O ano para ele é agora 1/66 de sua vida.
Nossos instintos, aos cochichos nos escuros de nosso eu, nos contam, numa linguagem silenciosa e cheia de imagens, o grande segredo que pode transformar a nossa consciência. É dessa forma que o muro da vida material cede lugar à vida imaterial ou espiritual para dar condições de enxergar uma nova paisagem. Imaginar essa paisagem é encontrar o encantamento contido nos segredos do universo.
Com o monstro do tempo a lhe engolir, Axler corre para o consumo de substâncias e ações que atenuem sua dor. O corpo registra o sofrimento que os mitos criados por suas reflexões fazem-no sentir. Internou-se numa clínica psiquiátrica. Não renovou sua relação casal. Procurou pelo novo. Encontrou Pegeen Stapleford, 25 anos mais nova. Renovar é ser criativo o suficiente para transformar o que já existe em algo apreciável. Assim é o curso da vida, nos exige renovar e não ser novo.
Pegeen era lésbica, mas arrebatara o seu coração e o fez sentir interesse pela vida. Apaixonado, e com o entusiasmo de quem encontrou uma nova vida, imaginou o nascimento de um filho, confundindo assim uma nova vida com a vida nova que esperava nascer. Após 13 meses, constatou o engano. Essa falta de consciência do que está por trás de suas escolhas é o que faz um homem ouvir o canto da sereia e abraçá-lo para ser levado para a morte.
Axler, jovem, era um prodígio que brilhou na Broadway com a peça A Gaivota de Tchécov. Encarnava Konstantin, um jovem aspirante a escritor que se sentia fracassado no trabalho e no amor. Depois de ter sido abandonado por Pegeen, resolveu incorporar Konstantin e ensaiar essa mesma peça. Teria que fazer de conta que ali, no sótão, era um teatro. E foi assim que o corpo de Axler foi encontrado morto com um bilhete ao lado: “O fato é que Konstantin se matou”.
Há muito se acreditou que obras literárias, cinema, teatro e noticiários ajudavam a multiplicar os casos de suicídio. No século dezoito, a obra de Goethe Os Sofrimentos do Jovem Werther foi responsabilizada por levar muitos jovens a se suicidarem. Resta-nos saber se Andreas Lubitz, o copiloto que arremessou um Airbus com 150 pessoas a bordo nos Alpes franceses, se inspirou no filme “Relatos Selvagens” que traz uma ação suicida semelhante.
Os junguianos explicam que a personalidade do homem é um drama cheio de personagens, onde nem sempre o ego é o regente. A morte simbólica de um determinado modo de ver a vida pode ser substituída pela morte literal que apaga essa vida. O analista mostra uma forma de o cliente viver o mundo simbólico e poder enxergar a existência por um prisma diferente. Dessa forma o sujeito aprende a sustentar o que emerge do inconsciente. De outra maneira, os mecanismos de auto regulação da própria natureza nos debilita e leva-nos a ações como as de Axler e Andreas.