Miguel Nicolelis, brasileiro, está entre os vinte maiores cientistas do mundo. Ao tentar explicar para o leitor mais leigo o funcionamento do cérebro a partir de experimentos com ratos, macacos e microelétrodos, também empregou diversas metáforas na obstinação de dar a todos uma compreensão do que está sendo descrito -o que caracteriza a linguagem literária.
O livro começa com a narrativa do movimento brasileiro chamado de “Diretas Já”. Ele constrói uma analogia entre o comportamento social daquela multidão eos princípios neurofisiológicos por ele adotados e estudados. Cita que esse movimento só vingou porque não foi só de uma pessoa bradando contra a ditadura. Uma flagrante comparação entre o comportamento da “sociedade dos neurônios” e a sociedade dos humanos. Dessa forma, mostrou a diferença entre a atuação de um único neurônio e uma massa crítica deles. Será que existem alguns neurônios que, como Nicolelis, façam o papel do “Espírito do Tempo”? Esse é um termo que ficou conhecido, quando Hegel, um filósofo alemão, descreveu o momento na história da humanidade em que o conjunto de todo o conhecimento humano, acumulado ao longo dos tempos, se apresenta por meio de um ou mais desses humanos. Foi dessa forma que ele fez a diferença entre duas correntes de neurocientistas: a dos “localizacionistas” e os “distribucionistas”.
Os “localizacionistas” acreditam que o cérebro tem áreas especializadas em certas funções mentais. Para Nicolelis eles são os herdeiros da Frenologia, uma pseudociência que buscava prever habilidades psicológicas a partir das assimetrias cranianas. Os “distribucionistas”, como ele, consideram que o cérebro trabalha como um todo integrado de processamentos paralelos distribuídos em populações de neurônios como unidade funcional. Semelhante à psicologia de Jung que coloca o homem dentro de um contexto maior, que é a sua civilização e os seus símbolospessoais e de sua família, nortedas atitudes de cada indivíduo. Uma única pessoa não poderia ser abordadaapenas em sua singularidade – como o “neurônio da vovó” – nome dado pelos “localizacionistas” a um único neurônio, sem considerar as suas conexões com o mundo.
Para a neurociência de Nicolelis, o senso e a imagem corporal do eu são criações fluidas e plásticas que podem mudar a cada instante. Ele estudou crianças vítimas de má-formação congênita, sem membros, e verificou que elas continuavam a sentir braços e pernas fantasmas desde a infância. Isso mostrou a ele que o cérebro humano é capaz de gerar um modelo muito bem definido do corpo e do senso do eu, mesmo na ausência de sinais somáticos derivados de componentes corporais.Assimilamos até ferramentas artificiais como verdadeiras extensões contínuas de nossos corpos biológicos. Temos um cérebro capaz de simular, além de um mapa de nossos corpos, também uma representação do próprio mundo em nossas habilidades mais valiosas. Para um bom violinista, por exemplo, o cérebro precisa incorporar o violino como extensão dos seus braços.
Para Jung, do mesmo modo, o eu acumula imagens que se agrupam por significados oriundos tanto da percepção quanto da memória. É a formação de um complexo de ideias, sentimentos e imagens que não possuem realidade em si. O eu é, portanto, uma solução de compromissos entre imagens (sensoriais e mnemônicas) prevalentes num dado momento para tornar-se objeto do pensamento abstrato. Jung chamou a isso de“complexo do eu”.
Pelo fato de o cérebro assimilar tudo que lhe é familiar, a dor do amor é mais do que real. Perder o objeto de nossa afeição é como amputar uma parte do senso do eu.
Ele continua a nos explicar o eu, o amor e a paixão como cascatas de hormônios que se aliam aos sentidos e fazem o cérebro lutar para incorporar esse fluxo de informações como parte de realidade e do senso do eu, compondo sobre o produto de experiências prévias. Os hormônios mediadores dos contatos corporais como abraços, fazer amor, massagens, o encontro social com alguém desejado e etc., criam a sensação de prazer nutrida pela simulação da realidade criada pelo cérebro, até que essa realidade seja também integrada como parte do modelo neural que define o senso do eu.
Compartilhamos nossas vidas como um verdadeiro amálgama de corpo e seres que estão na ativa e dinamicamente mantidos no espaço neuronal do cérebro de cada um de nós. Por isso a fantasia do fim do mundo, como um desejo de morte solidária e democrática, é compensatória para esse medo da finitude que é lembrado quando um ano se finda. Pois, quando alguém morre e outros ficam, os que ficam sofrem as dores cruciantes da saudade. Essa fantasia faz essa dor não acontecer, já que todos partiriam juntos.
As pesquisas de Nicolelis se orientam para criar uma interface entre o cérebro e as máquinas. Abreviou com as iniciais ICM. Nos mostra que máquinas podem “ler pensamentos” e traduzi-los em comandos computacionais, fazendo com que um primata em um laboratório controle um robô do outro lado do mundo. Fala de um futuro próximo em que o homem poderá conduzir seu veículo, comunicar-se com outras pessoas por meio dos seus pensamentos, numa “brainet”, uma verdadeira rede social de cérebros humanos. Pessoas portadoras de paraplegia teriam condições de se movimentar novamente, graças a um exoesqueleto, sob o comando do pensamento, ajustado ao corpo como se fosse um traje.
A humanidade vai muito além de um controle da consciência em que a vontade atua modificando estruturas mecânicas. Somos cada um o todo onde o outro é um pedaço de si e, por isso, amar a si mesmo é também amar o outro. Quando será que desvendaremos os mistérios do sempre egocêntrico cérebro humano?