O INCa (Instituto Nacional do Câncer) estima que o Brasil poderá registrar mais de meio milhão de casos de câncer segundo a pesquisa “Estimativa 2012” realizada recentemente. Diante desta informação e observando cuidadosamente o nosso cotidiano poderemos perceber como o câncer tornou-se uma doença “comum”.
Praticamente cada um de nós conhece alguém que vivenciou ou vivencia algum tipo de tratamento específico para a doença em questão. Quem já viveu a experiência sabe o quanto ela pode ser assustadora. O processo inicia-se com “positivo” nos exames diagnósticos e termina após cinco anos, tempo em que é possível ocorrer recidivas.
Esse longo percurso pode gerar estresse, medo, insegurança, raiva, depressão e tantos outros sintomas psíquicos atrelados ao que o câncer simboliza para o paciente – morte, perda, mudanças e difíceis adaptações. Mas também pode impulsionar o amadurecimento psíquico, levando o indivíduo a transmutar valores buscando sua inteireza.
Um acompanhamento terapêutico nesse momento se faz imprescindível.
Para Vasconcellos e Giglio (2006), esse paciente “mergulha nessa realidade e precisa encontrar recursos internos próprios para enfrentar a doença, o tratamento e todas as suas repercussões físicas, psicológicas, familiares e sociais.” (p: 54)
O despertar da criatividade, gerando um fluxo energético a favor de novas adaptações, corrobora com o indivíduo em tratamento. A arteterapia oferece este espaço aberto à criação e à elaboração de conflitos e perdas de forma lúdica e prazerosa. O paciente se expressa através de imagens registradas em movimentos corporais, em tecidos, papéis, telas, colagens ou modelagens. Isso gera comunicação. “Verbalizar” através de imagens conteúdos profundos e antigos que afloram do inconsciente faz parte do processo. Sentimentos da infância, emoções perdidas agora resgatadas, intercalam-se e interagem com tantas outras mensagens em um tempo quase atemporal, não cronológico.
O indivíduo não precisa se preocupar com a elaboração verbal, nem há chance de camuflar emoções por meio da palavra. A mensagem surge e ganha forma.
Desse modo a Arteterapia é considerada uma abordagem terapêutica eficaz. Esse recurso terapêutico é parceiro da psicooncologia e como tal deve ser considerado e focado em estudos mais aprofundados que servirão tanto para o conhecimento sobre a experiência subjetiva dos pacientes quanto para o aprimoramento de “terapêuticas mais adequadas ao ambiente hospitalar e à realidade dos pacientes”, afirmam Vasconcellos e Giglio. (p:76)
Alguns autores, citados por Vasconcellos e Giglio, fizeram estudos a este respeito como Kern-Pilch (1980) que afirma que “o processo artístico pode ser visto como compensatório diante de tantas perdas vividas além de proporcionar uma revisão a respeito da própria vida, permitindo que o paciente entre em contato com sentimentos próprios em relação à morte.” (p: 61)
Borgmann (2002) destaca que a “Arteterapia favorece a conexão entre saúde física e mental ao oferecer concretamente a possibilidade de resgatar força e coragem por meio do processo artístico”, despertando dessa forma novas possibilidades para a resolução dos dilemas relacionados à doença. (p: 61)
Como Arteterapeuta, observei o processo vivenciado por uma paciente oncológica durante dois anos de tratamento. Acompanhei o crescimento psíquico de Maria Flor (nome fictício) usuária do serviço do CICAN – Centro Estadual de Oncologia durante os anos de 2004 a 2006 nas sessões de Arteterapia.
Apesar do seu doloroso processo de depressão e mastectomia, Maria Flor nos surpreendeu por desenvolver uma atitude resiliente diante da doença física e dor emocional, que, estimulada durante as sessões, possibilitou a assimilação e compreensão de conteúdos sombrios (inconscientes) que emergiam das criações artísticas realizadas durante as sessões.
A partir daí houve um desenvolvimento considerável em sua auto-estima, o que lhe permitiu buscar um olhar mais positivo diante das situações conflitantes. Começou a analisar a sua história de vida relacionando-a com seus sentimentos atuais.
Percebeu como suas emoções e reações se repetiam como um padrão antigo e então resolveu “adotar” a si mesma cuidando das suas feridas internas para, uma vez fortalecida, cuidar da dor externa (tratamento da doença).
Dentre alguns dos objetivos da Arteterapia, enquanto terapia complementar na atenção à pacientes em tratamento, é possível citar o estímulo à resolução dos conflitos relacionados à doença, o desenvolvimento da resiliência, da criatividade e autoconhecimento através de seus recursos projetivos.
Quando este espaço para o diálogo simbólico e para a projeção dos sentimentos, emoções e pensamentos é preservado, o indivíduo alarga a percepção e compreensão dos seus conteúdos internos impulsionando o autoconhecimento e experimentando um maior equilíbrio psíquico.
No campo da saúde, como se vê, a Artererapia já possui uma larga pesquisa em andamento. No Brasil,informações e dados são bem vindos e em outros países, a exemplo da Croácia, podemos citar o trabalho realizado por Miroslav Prstacic, apresentado no último Congresso Internacional de Arteterapia realizado aqui no Brasil em 2011. Dessa maneira é notório que “os benefícios que traz representam importantes preenchimentos de um espaço de transformação interna, pessoal e profunda, que mobilizam aspectos não conhecidos e compreendidos como diferenciais de crescimento e integração, aceitação e ressignificação do que antes era compreendido de forma mais restrita e reducionista.” (p: 55), afirma Alessandrini.
Assim, a construção de máscaras, a livre criação de pinturas, desenhos, colagens, etc; são alguns dos recursos utilizados durante as sessões de Arteterapia para que o cliente tenha a possibilidade de desenvolver a criatividade, fazer catarses e projetar as suas emoções, pensamentos e valores para que, enfim, possa ressignificá-los.