LGBT, sexualidade, pcd e o filme “Hoje eu quero voltar sozinho”, sob uma perspectiva junguiana

No filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, temos um importante retrato da realidade dos adolescentes no tocante às suas orientações sexuais e o contato com essa importante diversidade sexual representada pelo LGBT. Com um tom sensível, a narrativa é mostrada de forma bem intimista. São abordados os anseios do protagonista (Leonardo), suas relações interpessoais, suas novas descobertas e seu desejo homossexual pelo seu amigo Gabriel. É fundamental abordarmos esse tema, considerando a realidade que estamos vivendo no Brasil. Entre os anos de 2015 e 2017, foram analisados dados referentes à quantidade de notificações de violência contra a população LGBT. Foram contabilizadas 24.564 (vinte e quatro mil, quinhentos e sessenta e quatro) notificações. Ou seja, temos o registro e notificações de que, a cada uma hora, uma pessoa LGBT é agredida no Brasil (BORGES, 2020).

No tocante à sexualidade e PCD (Pessoa com Deficiência), Leonardo sofre bullying e provocações tanto por sua condição de PCD como pela sua amizade com Gabriel. Fica claro o estigma em volta de uma pessoa com deficiência que inicia sua vida amorosa com um colega de escola e ainda mais quando essa amizade foge do padrão instituído pela sociedade. A realidade do filme é triste e exclusiva, ainda mais se tratando de escolas públicas. Como aponta Loch, Pereira e Kasper (2008) “Entre os jovens com 15 anos ou mais, com pelo menos um tipo de deficiência, ainda segundo dados do IBGE, 32,9% têm no máximo dois anos de escolaridade.” Essa é a faixa etária dos personagens do filme, e como pudemos ver, até a própria amiga do Léo, Giovanna, promove o capacitismo e demora a lidar com a nova situação, ao invés de auxiliar (o que acontece, porém mais à frente no decorrer do longa).
Ainda que o personagem Léo seja adolescente, os dados mostram que pessoas com deficiência não são vistas como adultos com capacidade mental e motora para exercê-la. Por outro lado, quando leva-se ao outro extremo e são hipersexualidados, tudo se resume às suas genitais (Gesser e Nuernberg, 2014) tornando-se pessoas apenas para fetiches e não para ter um relacionamento como o de Gabriel e Leonardo no final do filme.

Neste ponto, a Psicologia Analítica traz uma visão fundamental sobre a sexualidade e o respeito pela diversidade. Jung (1978) buscava na sexualidade o seu aspecto simbólico e ‘numinoso’ (i.e., o fluxo de uma presença invisível, que pode produzir uma modificação na consciência). Diferente de um aspecto mais reduzido ao biológico como, por exemplo, na Psicanálise de Freud. Além do aspecto simbólico, Jung apresenta, no Livro Vermelho, a importância de acolhermos as duas energias psíquicas que temos: o feminino e o masculino em todos nós. Apenas assim, poderemos viver em equilíbrio e respeitando não apenas as nossas inúmeras facetas como as diferenças existentes no outro: “…a pessoa é masculina e feminina, não é só homem ou só mulher. De tua alma não sabes dizer de que gênero ela é. Mas se prestares bem atenção, verás que o homem mais masculino tem alma feminina, e que a mulher mais feminina tem alma masculina” (JUNG, 2010, 263). Ou seja, se avaliarmos a forma literal, as pessoas irão sempre julgar a sexualidade como restrita ao corpo. Ou seja, ela é mulher simplesmente porque o seu corpo é de uma mulher. Nesse passo, Jung já trazia um conceito fundamental para buscarmos uma visão mais inclusiva e integrativa. Ainda sobre o aspecto do Leonardo ser PCD, Jung (1935/2012c, p. 56) nos apresenta que: “Nossa mente inconsciente, bem como nosso corpo, é um depositário de relíquias e memórias do passado”. Podemos inferir que nosso corpo (incluindo qualquer deficiência) é simbólico e está em constante relação com o mundo. O símbolo vai além de qualquer imagem literal do nosso corpo e como ele se apresenta. A deficiência também é uma expressão de como o sujeito se expressa no mundo. Como qualquer pessoa, buscamos o processo de individuação, ou seja, essa integração entre consciente e inconsciente, de forma indivisível, se tornando uma totalidade. E para isso acontecer, a experiência no corpo é imprescindível.  “A individuação só pode ocorrer quando retornamos ao corpo, à nossa terra. Só assim ela se torna verdadeira” (FARAH, 2009, p. 12).

Por fim, levando em consideração essa visão integral da Psicologia Analítica, podemos dizer que, ao mesmo tempo que o filme nos apresenta uma realidade, muitas vezes, unilateral e literal, nos apresenta, também, uma esperança simbólica. No final do filme, Leonardo decide assumir sua relação e decide dar as mãos para Gabriel na frente dos colegas que o provocavam. Em uma cena muito sensível e bem trabalhada, pelo menos um deles criticou essa visão preconceituosa e perniciosa contra grupos minoritários como PCDs, LGBT, entre outros. Ou seja, fica a mensagem simbólica e a esperança de que é possível sermos tolerantes com o que é socialmente “fora do padrão” e das Representações Sociais impostas pela nossa cultura. Apenas assim, poderemos construir uma visão mais inclusiva e convivermos em harmonia com o diferente e suas bem-vindas diversidades.


Anderson A. Fernandes – Analista em formação pelo IJEP

Referencias Bibliográficas

BORGES, Stella, (2020). LGBT: Em 3 anos, mais de 24 mil casos de violência registrados.https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/15/notificacoes-de-violencia-contra-a-populacao-lgbt.htm). Acesso em: 15 Abr 2021.
FARAH, Rosa Maria. Introdução. Em: Zimmermann, E. (Org.). Corpo e individuação. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 7-14.
GESSER, Marivete; NUERNBERG, Adriano Henrique Psicologia, Sexualidade e Deficiência: Novas Perspectivas em Direitos Humanos. Psicol. cienc. prof. [online]. 2014, vol.34, n.4, pp.850-863. ISSN 1982-3703.
JUNG, C. G. Psicologia e Religião. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1978.
JUNG, C. G. O Livro Vermelho – Liber novus. Petrópolis: Vozes, 2010.
JUNG, C. G. Fundamentos de Psicologia Analítica. A vida simbólica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012c. v. 18/1.