O estado que chamamos felicidade é tão desejado que inúmeros profissionais da autoajuda escrevem fórmulas imaginando que elas são capazes de ensinar modos e maneiras de um indivíduo se comportar e pensar. Esses procedimentos geralmente são pouco aplicáveis à realidade, uma vez que as experiências do viver em estado de felicidade são uma antinomia que inclui seu outro lado, o estar infeliz, para ser abarcado e aceito.
O psiquiatra suíço C. G. Jung recomenda que um fenômeno psíquico nunca deve ser encarado apenas de um lado, mas também por outros ângulos. Todas as coisas têm ao menos dois lados. Essa é a razão que nos faz apreciar a obra de Luc Ferry, “7 Maneiras de Ser Feliz – como viver de forma plena”, lançada no Brasil em 2018. Embora seu título o faça parecer um livro de autoajuda, percebemos que, ao contrário, faz-nos um convite à reflexão para entendermos o quanto uma vida plena e gratificante depende de nosso amadurecimento. Trata-se da maturidade para saber que o mais importante não é o acontecimento em si, mas o que não conhecemos em nós mesmos, que nos faz reagir com tanto sofrimento, e a nossa capacidade em contemplar todos os lados dessa realidade.
Luc Ferry é um filósofo francês. Comprometido com o uso da razão crítica, foi responsável pela lei da laicidade, que proibiu o uso dos véus islâmicos ou outros símbolos religiosos nas escolas públicas. Ferry apresenta seu livro com uma citação do escritor Flaubert em que se lê: “Ser imbecil, egoísta e ter boa saúde: eis as três condições necessárias para ser feliz. Mas, se a primeira lhe faltar, tudo está perdido”.
Essa obra nos convida a reflexões a fim de que encontremos respostas para perguntas como: ser feliz é um estado em que nos encontramos ou uma forma de viver? Tem alguma receita para se conseguir? Existe alguma coisa que nos deixe satisfeitos de forma duradoura? Como experimentar os acontecimentos em nossas vidas sem que esses nos retirem o direito de ser feliz?
Possuímos um eu para nos relacionarmos com o mundo em volta e, também, com aquele outro mundo interno, criado a partir do que vai se organizando com nossas experiências, misturadas às respostas coordenadas pela nossa constituição biológica. O mundo externo pode nos envolver em eventos que não atendem às nossas expectativas e nos conduzem a um estado de insatisfação muitas vezes desproporcional ao acontecimento. Essa insatisfação pode nos trazer um sofrimento maior do que deveria, caso não houvesse despertado experiências antigas, situadas em memórias emocionais que, embora sejam acontecimentos diferentes, guardam entre si alguma semelhança.
O mundo moderno disponibiliza processos psicoterapêuticos de “insights” que propiciam a possibilidade de compreendermos quando o sofrimento é neurótico, (assim chamado aquele que altera a realidade por reagirmos de forma desproporcional aos acontecimentos), e nos ajuda a estabelecer essa relação com o eu mais profundo para percebermos que aquela infelicidade experimentada também aponta para oportunidades disfarçadas e nos lança para um nível de consciência mais acima.
Para Luc Ferry, a felicidade é, ao mesmo tempo, provisória e frágil. Não depende só de um trabalho sobre nós mesmos e de nossa eventual harmonia interior. Está amplamente ligada aos outros, em particular às pessoas que amamos. Não importa o que façamos, em algum dia estaremos separados daqueles que gostamos.
A busca contemporânea pela felicidade tem feito muitos leitores de sites e de obras de autoajuda, que mostram caminhos como se todos pudessem calçar o mesmo par de sapatos. Essas leituras cooperam com uma sociedade que nos cobra para vivermos sorrindo e satisfeitos. Muitos entendem que não podem mergulhar na relação com o seu eu mais profundo, para buscarem conviver com as dores e tomarem consciência de si, pois temem um rótulo de deprimidos. Esses, muitas vezes, são medicados sem participarem de um processo psicoterapêutico que os leve aos “insights”, ou procuram terapias “festivas”, que prometem mudanças com uma variedade de processos em que o indivíduo não toma consciência do que é preciso e, como mágica, tentam evitar a experiência da realidade, que é necessária a cada humano.
Quando a ilusão da felicidade aparece em uma sociedade nessa forma de tirania, somos levados a participar de um ciclo vicioso em que a própria exigência de satisfação plena faz acentuar o mal-estar natural de experiências com o destino, que segue acontecendo sem obedecer aos desejos e planos. Esses esforços em ser feliz nos deixam infelizes, pois se tornarem extenuantes. O que nos livra da angústia da existência é a lucidez.
Nessa obra de Luc Ferry, somos levados a uma reflexão sobre sete verbos: amar; admirar; emancipar-se; ampliar os horizontes; aprender e criar; agir. Entenderemos que o amor dá sentido à nossa vida. Pode nos deixar loucos de felicidade, mas também tristes e desesperados com a perda de alguém amado.
O prazer de aprender nos leva a ampliar nossos horizontes e à satisfação de admirar e ser admirado. Segundo o filósofo Kant, “o prazer que a beleza proporciona é da mesma ordem que o prazer do conhecimento”. É a satisfação em agirmos fazendo algo para o bem de outras pessoas, em lugar do fanatismo político que nada ensina e tudo divide.
Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br / www.ijba.com.br