Por Carlos São Paulo
Negligenciar um compromisso, por se dedicar a algo sem aparente importância, poderá nos trazer um sentimento de irresponsabilidade e nos fazer sofrer com isso. Há um livro de autoajuda que orienta a combater a ideia: “não deixe para amanhã o que pode fazer hoje”e, no lugar dela, aconselha: “nunca faça hoje uma tarefa que pode desaparecer amanhã”, poderá aliviar esse sofrimento. Esse livro ganhou o prêmio IgNobel de literatura. Um prêmio criado por uma revista de humor científico “Anais da Pesquisa Improvável” para premiar pesquisas raras que represente algo “não nobre”, mas que nos faça pensar. No entanto a Psicologia Analítica explica o modo como as pessoas poderiam se beneficiar com esse livro.
Trata-se de A Arte de Procrastinar escrito por John Perry, e o prêmio se deve à sua Teoria da Procrastinação. Ele mostra que existem pessoas que já encontram um mundo preparado para acolhê-lo no seu modo de ser, enquanto outros ficam à margem. Faz uma analogia com o canhoto, aquele que até a cadeira escolar ou o mouse do seu computador estão ajustados para os manidestros. E você acredita que está fora da rota dos demais como um sujeito que deixa compromissos importantes para resolver na última hora. Dessa forma você sofre por não compreender suas preferências no modo de usar suas funções psíquicas da consciência e querer ter o modo de ser dos demais que se ajustam a um mundo preparado para os que sabem fazer uso da “organização vertical”.
Organização vertical é a capacidade de colocar as coisas em seus lugares e, indexados de tal maneira, que serão facilmente encontradas em seus devidos espaços. O termo vem da utilização de armários altos e verticais para melhor conseguir esses resultados. Na “organização horizontal” tudo em que se está trabalhando fica espalhado sobre uma mesa. Dessa forma você pode continuar a mexer nelas em lugar de escondê-lo numa pasta em que pessoas como Perry, que vamos chamá-las de “intuitivas”, talvez se esqueçam dela e nunca mais vá procurá-lo.
Quando você se percebe escolhendo fazer algo de forma contraditória ao que reconhece como certo – acrasia – sente-se mal e pode não perceber que desagradou a si mesmo pelo receio de aborrecer o outro com o seu modo diferente de ser. Esse é um equívoco de sua racionalidade quando toma como meta fazer sempre o melhor para agradar. O livro de Perry lança mão do conceito de “organização horizontal” em lugar da “organização vertical” na tentativa de criar um método para essas pessoas que sofrem por não compreenderem o seu modo de ser.
Hoje há muitos livros nessa categoria de autoajuda. Perry diz que seu livro mostra um programa de autoajuda filosófico para procrastinadores deprimidos. Mesmo que muitas pessoas considerem esses livros à margem da esfera cultural, há autores como esse que oferecem uma descrição de suas experiências pessoais. Perry propõe caminhos que você, identificado com esse modo de ser, poderá também se beneficiar nesse campo complexo de orientação em suas dificuldades emocionais.
É bom percebermos que precisamos respeitar nosso modo de ser, em lugar de lutar para nos adaptarmos ao que a maioria diz ser bom. O capítulo dos “Tipos Psicológicos”, estudado por Jung, tem tido ampla utilização por empresários e terapeutas. A depender do modo que você se enquadra na preferência tipológica, haverá o lugar certo para você atuar melhor que outros diferentes de você. Daí sua importância na escolha de uma profissão. O livro de Perry se propõe a ensinar como ser um “Procrastinador Estruturado”, e isso coincide com o modo de funcionar do indivíduo cuja preferência tipológica seja atuar com a função psíquica intuição e saber lidar com ela.
Jung chamou de funções psíquicas irracionais àquelas que nos fazem perceber o mundo além da lógica e da razão. Há dois grandes grupos nessa categoria: sensação e intuição. O primeiro atende bem à “organização vertical” e percebe o mundo por meio dos cinco sentidos. É uma sensação determinada sobretudo pelo objeto. Para os que estão nesse grupo, “nada existe além do concreto e do real; considerações sobre ou além disso são aceitas apenas enquanto fortalecem a sensação”.
Os intuitivos absorvem os fenômenos que presenciam de forma subliminar a consciência e só vai perceber que está se orientando de modo acertado, sem ter consciência das etapas, quando finalmente tem seu momento de intuição. Por ter a função sensação subliminar à consciência eles sentem a tarefa desagradável por estarem focando no resultado final e sofrem com isso. Por isso o livro de Perry ensina que esse tipo que tarefa adiada, por ser desagradável, tem como se resolver quando focamos e realizamos uma parte dela. O intuitivo é um tipo de sujeito que se mantém na expectativa do que virá. A possibilidade é o que o alimenta e o seu combustível é imaginar o que se lhe oculta. Por isso tal tipo não suporta a rotina. O simbolismo é o que prevalece, e não a observação.
O valor de uma obra de autoajuda não depende de provar uma verdade, mas descrever um modo de ser que divulga ideias para os leitores que se identificam com as experiências do autor.
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Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br