Por Waldemar Magaldi Filho
Muitas vezes ouvimos que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional. Nossa cultura, cada vez mais materialista, nega constantemente a dimensão anímica e espiritual do universo e entende que a dor, por ser física, é inevitável – mas, para ela, temos os analgésicos. O sofrimento, porém, é da alma e é melhor que não ocorra, porque, na realidade, nada pode aliviá-lo de fato. Sua origem é a angústia diante do mistério da vida, na maioria das vezes acrescida da falta de significado existencial. Ainda assim, a frase parece posicionar o indivíduo saudável como aquele que consegue negar, controlar ou evitar o sofrimento.
Qualquer padrão vibracional contém informações trafegando na sua frequência de onda, que atua sinergicamente na totalidade dos seres e coisas (independente das aparentes limitações de tempo e espaço da nossa mente, que tende a ser reducionista, causal e limitada ao tempo e ao espaço). Então, no caso da vida biológica, o padrão vibracional da homeopatia, da Medicina Antroposófica, dos Florais, dos pensamentos, das emoções, da potencialidade imaginal, das cores, sons, aromas, sabores, experiências estéticas, eventos numinosos, entre outros afetos carregados de informações, podem interferir e alterar o binômio psicossomático.
A prática da Análise Junguiana e da Arteterapia, nesta mesma abordagem, por óbvio, também possuem este poder de interferir na frequência vibracional do indivíduo e são capazes de promover ou restabelecer a saúde, modificando padrões de pensamentos e emoções, dependendo da resultante vetorial do afeto que foi desencadeado no encontro psicoterapêutico! Mas não podemos deixar de levar em consideração que os estímulos tanto podem curar o indivíduo quanto desarmonizar e gerar degradação psíquica e ou biológica. Isso exige conscientização, respeito e responsabilidade para quem pretende aventurar-se na profissão, missionária, de curador. Por isso é urgente a análise do analista e do profissional de saúde.
O medo do contágio psíquico, para o profissional de ajuda que ainda não se conhece, transforma os rótulos psicopatológicos em proteções! Assim, iludidamente, ele acredita que sua alma não será “contaminada” pelo outro, que passa ser apenas uma classificação psiquiátrica, com um esquema psicofarmacológico para promover comportamentos “adequados”, ou adestrados. Neste sentido, Jung diz: Quanto mais débil é a consciência do “eu”, tanto menos importa considerar quem propriamente foi afetado, e igualmente tanto menos está o indivíduo em condição de proteger-se contra o contágio geral. Esta proteção apenas poderia ser atenuante se alguém fosse capaz de dizer: “Tu é que estás excitado ou furioso, e não eu, pois eu não sou tu”.
Os rótulos psiquiátricos (bipolaridade, psicopatia, esquizofrenia, depressão, entre outros) são apenas diretórios e pastas que pretendem conter o que está incomodando a norma vigente, sendo categorizado como comportamento errado numa determinada perspectiva sócio cultural. De qualquer modo, cada indivíduo é único, complexo e criativo, mesmo que esteja estereotipado em determinada categoria classificatória, não podemos deixar de compreende-lo como um ser, de corpo e alma, em busca de cura e que, os pretensos curadores, tratam pessoas ávidas pela saúde, e não de patologias em busca de condicionamentos!
Da mesma forma, os arquétipos, são vasos que contém as imagens arquetípicas e, por isso mesmo, apesar do arquétipo ser universal e estar presente na psique de todos, cada indivíduo tem sua resultante arquetípica simbólica e imaginal. Então, por exemplo, o complexo materno que me têm é único, customizado para mim e por mim! Dependendo de como a energia psíquica está configurada, esse complexo pode estar funcionando de forma mais saudável ou patológica, apesar que isso também é relativo, porque o que podemos compreender como patológico para uns pode ser saudável para outros. Apesar disso, saber dos rótulos nos dá amplitude para o atendimento, mas se eu ver apenas um psicopata na minha frente, é melhor indicar para outro profissional que veja um indivíduo em conflito com sua alma. Deixando claro que a cura não exclui a morte e que a morte ideal e saudável é a de um indivíduo curado, em ataráxia que significa a condição serena, consciente e livre das perturbações e inquietações mentais, em estado de felicidade por saber que cumpriu o seu destino. No livro de C. G. Jung: “O desenvolvimento da personalidade “§171 temos:
“É evidente que o escopo e a razão de ser mais profunda desta nova psicologia são de natureza tanto médica como pedagógica. Uma vez que cada indivíduo constitui uma combinação nova e única de elementos psíquicos, a pesquisa da verdade deve recomeçar com cada novo caso, pois cada “caso” é individual e não pode ser derivado de fórmulas genéricas e pressupostas. Cada indivíduo é um novo experimento da vida em sua mudança contínua e uma tentativa de nova solução e nova adaptação. Erraríamos quanto ao sentido de uma psique individual se quiséssemos interpretá-la na base de opiniões preconcebidas, ainda que estejamos muito inclinados a fazê-lo. Para o médico isso significa o estudo individual de cada caso, para o educador o estudo individual de cada educando.”
Quando falo em cura me refiro a integralidade, inteireza e consistência do Ser, onde o Ego aprendeu a reconhecer e relacionar-se com a Sombra e, consequentemente, com Anima ou Animus e o Self, abrindo mão da ilusão das certezas, da unilateralidade e da literalidade! Ou seja, na visão junguiana, a cura acontece quando o processo de individuação se torna presente no cotidiano profano e ordinário, em busca da consciência unitiva e ao chamado de servir ao Self e toda expressão senciente da natureza, cuidando e amando. Não podemos deixar de lembrar que o Ego é o sujeito que sofre a experiência e que todo processo evolutivo da vida nos impõe a vivência dolorosa da: diferenciação, separação, superação e integração. Essa sequência não pode ser imposta como um leito de Procusto, mas ela está presente da embriogenese à filogênese e desta à ontogênese. A jornada heroica que o ego precisa fazer para sair dos instintos e aceitar o chamado dos arquétipos, também segue por etapas sequenciais e ascendentes, num contínuo processo de aprimoramento evolutivo.
O desenvolvimento, que significa sair de um envolvimento primitivo para outro mais complexo e evolutivo, é condição inexorável da natureza. Existe uma teleologia em tudo e parece que cada vez mais esse processo evolutivo está acelerando. A velocidade da diferenciação e separação das espécies até chegarmos no homus sapiens sapiens é evidente e é reproduzida na essência biológica e psíquica de todos os seres humanos. Por isso, apesar da impressão de estarmos impondo um projeto desenvolvimentista sequencial e ascendente, ele parece ser arquetípico e inquestionável, ainda que, historicamente e na realidade, todo processo evolutivo, assim como a vida, sempre acontece de forma imprevisível e sem linearidade, na maioria das vezes, surge na forma de saltos gerando espanto e crises. Em C. G. Jung, no livro a Natureza da Psique § 798 temos:
“A vida é teleológica par excellence, é a própria persecução de um determinado fim, e o organismo nada mais é do que um sistema de objetivos prefixados que se procura alcançar. O termo de cada processo é o seu objetivo. Todo processo energético se assemelha a um corredor que procura alcançar sua meta com o máximo esforço e o maior dispêndio possível de forças. A ânsia do jovem pelo mundo e pela vida, o desejo de consumar altas esperanças e objetivos distantes constituem o impulso teleológico manifesto da vida que se converte em medo da vida, em resistências neuróticas, depressões e fobias, se fica preso ao passado, sob algum aspecto, ou recua diante de certos riscos sem os quais não se podem atingir as metas prefixadas. Mas o impulso teleológico da vida não cessa quando se atinge o amadurecimento e o zênite da vida biológica. A vida desce agora montanha abaixo, com a mesma intensidade e a mesma irresistibilidade com que a subia antes da meia idade, porque a meta não está no cume, mas no vale, onde a subida começou. A curva da vida é como a parábola de um projétil que retorna ao estado de repouso, depois de ter sido perturbado no seu estado de repouso inicial.”
Por isso, na vida, a dor é inevitável, mas a forma com que sofremos as experiências dolorosas é optativa, podendo variar entre as condições doentias onde a energia psíquica fica paralisada na atitude de vitimização ou na sua atitude oposta que é a de expiação. Na primeira condição a culpa é projetada para fora e na segunda a culpa é assumida pelo indivíduo, que vive buscando sua redenção sacrificial. Outra atitude paralisante e estéril, que aliás é a mais praticada e estimulada pela sociedade de consumo, incluindo a atual medicina da patologização e medicalização da realidade, é a de oferecer mecanismos de defesa para as dores e seus respectivos sofrimentos, aprimorando a fobia e a negação da dualidade vida e morte, por meio de mecanismos anestesiantes da angústia, ofertando excessos de consumo, incentivando compulsões, obsessões, uso de substancias psicoativas – lícitas ou ilícitas, que funcionam como amortecedores ou anestésicos da dor. Tudo parece ser válido para manter o Ego iludido e muito ocupado, apesar de cada vez mais alienado, evitando que a dimensão da alma e do Self venham à tona.
Porém, ainda nos resta a condição saudável, daquele que se entrega ao processo da vida, lidando com a dor como oportunidade de aprendizado e aprimoramento, por meio da coragem do enfrentamento da angústia e do sofrimento, em busca de ressignificação e transcendência, usando a experiência como oportunidade transformadora e evolutiva, obviamente para que uma nova experiência angustiante e dolorosa apareça, num contínuo espiral tridimensional, evolutivo e ascendente rumo ao processo de individuação, ou caminho de iluminação. Onde o Ego, na sua atitude saudável, possibilita que a energia psíquica flua nas seis direções: à frente e atrás – no eixo temporal do futuro e do passado; para dentro e para fora – no eixo vital promovendo a adaptação intrapsíquica e extra psíquica e biológica; abaixo e acima – no eixo espiritual que vai do imanente ao transcendente, do sombrio ao numinoso.
Promover a reflexão dos afetos, nestas seis direções, sem perder a perspectiva do aqui e agora, possibilita a ativação da função transcendente e o surgimento do potencial criativo e integrador das dicotomias existenciais. É obvio que o exercício da reflexão gera angústia, mas é o que vai impedir o Ego ficar unilateralizado e monotemático, evitando os acontecimentos enantiodrômicos compensatórios, em decorrência dos excessos e da inflação do Ego, que as convicções cegas, as certezas absolutas e a ilusão do poder e do controle produzem.
Mesmo um indivíduo que atingiu a cura por meio da iluminação ou santidade, continuará, apesar de sua condição muito parecida com a individuação, vivenciando as experiências de dores e delícias, tristezas e alegrias que a vida e o viver proporcionam para que o aprender a morrer aconteça continuamente. Neste sentido, tanto a sombra, e os complexos, quanto o Self, podem atuar como o Skandalon, a pedra de tropeço, que produz dores e, dependendo da forma que sofremos essa nova oportunidade evolutiva, podemos cair com sintomas, tragédias e crises. Tudo isso pode parecer ao ego como demoníaco, e despertar o desejo mágico ou místico. O mágico busca a eliminação da queixa, sem o sacrifício do autoconhecimento, compreensão do daimon e serviço da alma. O místico, por sua vez, aceita o mistério, reconhecendo na dor o chamado para o autoconhecimento, com significado e propósito existencial. Por isso, o chamado ou a providência do Self pode ser percebido pelo Ego como desastre, tragédia, crise, castigo, possessão, azar, conversão, arrebatamento, libertação, êxtase, depressão, psoríase, infarto, sonho, criatividade, sincronicidade, insight, etc. Tudo irá depender do modo que cada um encare as dores da vida! Na carta de Jung em 30/06/1961, ele cita o demônio quando o ego se distancia do Daimon, da Alma ou do Self:
“Estou firmemente convencido de que o princípio do mal que prevalece no mundo conduz às necessidades espirituais, que, quando negadas, levam à perdição se ele não é contrabalanceado por uma experiência religiosa ou pelas barreiras protetoras das comunidades humanas. Um homem comum, desligado dos planos superiores, isolado de sua comunidade, não pode resistir aos poderes do mal, muito propriamente chamado de Demônio. Mas o uso de tais palavras nos leva a enganos; por isso, temos de nos manter afastados delas, tanto quanto possível.”
Podemos optar pela forma de sofrer as experiências dolorosas geradoras de desconforto corajosamente, agindo com o coração encarando o medo do porvir, porque esse enfrentamento nos tira da ilusão do controle e da acomodação. Então, aceitar a dor como uma oportunidade de aprendizado e ressignificação é uma benção alcançada, assim como aconteceu na via dolorosa de Jesus, onde em cada uma das 12 passagens da via sacra houve a aquisição de um conhecimento para a próxima, até capacita-lo à transcendência final após a crucificação. Claro que estou usando essa referência metaforicamente e que nossa vida pode ser plena de felicidade e alegrias, apesar dos espinhos na carne, que servem para lembrar de nossa humanidade, finitude material e evitar o risco da hybris, que devido a inflação do ego, pode nos fazer confundir com um deus.