ADOLESCENTES, MISOGINIA E O RISCO DO SILENCIAMENTO GENERALIZADO

Por Carlos São Paulo

A minissérie Adolescência expõe com precisão um dilema crescente: como combater o machismo e o racismo sem cair em novas formas de exclusão e radicalização? Ao mostrar a história de um adolescente branco, possivelmente autista, que comete um crime após sofrer bullying nas redes sociais, a série propõe uma questão incômoda, mas essencial: será que o discurso de justiça social está, em alguns casos, ultrapassando o ponto de equilíbrio?

Um exemplo emblemático foi o caso de um adolescente de 13 anos que, no Instagram, foi alvo de ataques diretos à sua virilidade. Nesta etapa da vida, a imaturidade emocional torna extremamente difícil enfrentar acusações tão sérias, principalmente quando são intensificadas por um discurso social que não faz distinções. A sociedade parece ter adotado um modelo onde qualquer expressão masculina é automaticamente vista com desconfiança. A condição de “ser homem” passou a ser vista como sinônimo de opressão. Embora seja inegável que minorias historicamente oprimidas precisem de proteção e reparação, manter o equilíbrio é fundamental. O extremismo na defesa de causas sociais tem gerado uma inversão preocupante: meninos brancos, frequentemente sem recursos emocionais ou cognitivos para se protegerem, acabam se tornando alvos fáceis de críticas generalizadas.

Essa abordagem, ao invés de promover inclusão, gera ressentimento, isolamento e, em alguns casos, radicalização. É nesse contexto que surge a figura do incel — sigla para “involuntary celibate” (celibatário involuntário). O termo, famoso em inglês, refere-se a jovens que enfrentam dificuldades em criar laços afetivos ou sexuais. Muitos se sentem à margem do discurso social predominante e acabam se abrigando em comunidades virtuais que intensificam essa exclusão, convertendo a frustração em ressentimento. Esses espaços não surgem do nada: são alimentados por jovens que, rejeitados, passam a enxergar a sociedade como inimiga. E ao invés de receberem acolhimento, deparam-se apenas com mais hostilidade.

A adolescência é uma fase crucial para o desenvolvimento da identidade. Quando esse desenvolvimento acontece em um ambiente de constante desconfiança e julgamento simbólico, o risco de resultados trágicos se eleva. A série Adolescência não exime o protagonista de suas responsabilidades, mas incita a reflexão sobre o contexto que o levou até aquele momento. Ao criminalizar genericamente a masculinidade jovem, abre-se espaço para que ideologias extremistas ganhem força – e para que o ódio encontre justificativa emocional.

Não se trata de relativizar a luta contra a misoginia ou o racismo. Trata-se de reconhecer que o combate a essas violências precisa ser inteligente, estratégico e responsável. O moralismo impulsivo, intensificado pelas redes sociais e discursos polarizados, reduz discussões complexas a conflitos de identidade. Nesse ambiente, o diálogo se perde.

As redes sociais, que poderiam promover a escuta e a empatia, frequentemente funcionam como arenas de julgamento imediato. Cancelamentos substituem conversas, e a superficialidade toma o lugar da reflexão. Enquanto isso, questões fundamentais como a violência contra mulheres e a desigualdade educacional são deixadas de lado, eclipsadas por disputas de visibilidade e poder simbólico.

A mensagem da minissérie é evidente: alcançar uma sociedade mais justa requer equilíbrio. Não se combate o ódio criando novos alvos de exclusão. É essencial resgatar o valor da escuta e da responsabilidade compartilhada. Somente assim podemos evitar que jovens, perdidos nos desafios da adolescência, se tornem protagonistas de tragédias que poderiam ser evitadas.

Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br