Afinal, Deus existe mesmo?

Por Ronald Carvalho

A famosa discussão sobre se Deus “existe” ou “não existe”, no fundo, sempre foi uma grande tolice do nosso tempo, tal como a sua irmã gêmea, igualmente famosa, a que nos chama a escolher se viemos do macaco ou do paraíso.

É que o materialismo intelectual, além de estreitar nossa compreensão da realidade, pela supressão dos princípios e das causas últimas de todas as coisas, nos constrange a voar imaginativamente com asas de galinha e a recolher apenas as migalhas de conhecimento que as galinhas mais inteligentes que nós fornecem a nossa cultura.

Mas, por ora, deixemos o galinácio filosófico de lado e nos concentremos brevemente na primeira destas discussões: por que ela é uma tolice?

Ora, porque, ao tomarmos Deus em discussão, nos termos do “existe” ou “não existe”, nos contradizemos sem perceber, logo de saída, uma vez que admitimos furtivamente que há, no mundo, uma coisa maior do que Ele, algo que o transcende, o abarca e se encontra acima d’Ele, e dentro do qual sua onipresença está ou não está: a instância do existir. Logo, ou Deus existe, ou simplesmente se chama Existência, o que é trocar seis por meia dúzia. Dá no mesmo.

Entendeu? Não? Talvez Carl Gustav Jung facilite as coisas para nós. Escreveu o grande psicoterapeuta suíço: “Qualquer um que se diga ateu é, na verdade, um crente invertido; ninguém negaria algo que não existe para ser negado. Quando você se diz ateu, está admitindo a existência de Deus, pois seja negando ou afirmando algo, você confirma que aquilo existe: não é possível negar algo sem dar-lhe uma certa existência. Aquilo existe em algum lugar, mesmo que só exista na cabeça das pessoas, pois isso também é existir.”

Assim, caro leitor, é sensato que deixemos de perder tempo com discussões tolas e estéreis, e nos concentremos naquilo que inspira mistério e efetivamente merece atenção na vida humana: teológica ou psicologicamente, Deus em nós é sempre a presença total de nosso próprio Ser, sendo a busca por Ele, consequentemente, a estrutura fundamental de nossa autoconsciência, a abertura para a unidade do Real, e a mais velha constante do espírito humano. Como escreveu o poeta Paul Claudel: “Deus é aquilo que em mim é mais eu que eu mesmo”.

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Noutras palavras, ainda que não tenhamos mais “olhos de ver” e “ouvidos de ouvir”, é este reconhecer que “não temos a vida, mas a vida nos tem” o fundamento essencial da nossa existência e, ao mesmo tempo, a experiência básica na qual este fundamento se revela a nós todos os dias – lógica, ontológica e historicamente. Negá-lo, portanto, significa, num só ato, pensar falaciosamente, distanciar-se do Real, e virar às costas para o que a filosofia multimilenar dos povos, sob uma variedade inesgotável de raciocínios e simbolizações, registrou em seus magníficos anais de sabedoria.

Então, que cortemos, o quanto pudermos, as amarras da ignorância que nos tornam “galinhas de capoeira”, isto é, nos atam aos níveis mais baixos do conhecimento, nos prendem aos preconceitos anti-metafísicos de nossa época, e nos impedem a adoção de critérios filosóficos adequados ao entendimento das realidades superiores do espírito.

Garanto, feito isso, nossa compreensão porá as tolices da moda de lado, e voará como uma águia na direção de Deus, do mesmo modo como um balão de hidrogênio naturalmente sobe ao ser desamarrado daquilo que lhe ata ao chão.

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Ronald Carvalho é professor de filosofia com especializações, mestrado e doutorado dedicados a estudar a filosofia da consciência e a sabedoria por trás dos mitos e símbolos das antigas religiões. Ministrará o próximo curso de extensão do IJBA, A Autoconsciência e as Estruturas Simbólicas da Realidade.