Por Alice Coelho
As águas claras: O sustento da vida criativa, é um conto que trata sobre a destruição do feminino fecundo. Fala sobre um rico fidalgo, que conquistou o afeto de uma moça bonita, mas pobre, eles tiveram dois filhos, apesar de nunca terem se casado.
Certo dia, ele revela para a moça qual era seu plano. Deixá-la sozinha e voltar para sua Terra (Espanha), levando os dois filhos que tiveram, pois iria casar com uma moça rica, que a sua família escolheu.
A jovem mãe ficou completamente fora de si. Agrediu o homem com arranhões, rasgou a roupa dele, depois ela também se arranhou num rompante de loucura e rasgou as suas próprias vestes. Sentindo-se impotente e tomada pelo complexo, ela decidiu que não perderia seus filhos para ele. Muito revoltada, jogou os dois na correnteza do rio, onde os mesmos morreram afogados. Ela caiu às margens do rio de dor e desespero e assim como aconteceu com seus filhos, também morreu afogada.
O objetivo do conto é ensinar à mulher o que não fazer, como voltar atrás, no caso de ter feito escolhas infelizes e visa reduzir o impacto negativo dessas escolhas. Ao refletir sobre a história dessa jovem, podemos perceber o quanto uma mulher pode se deteriorar, se perder, romper com seu processo criativo, quando sente-se ameaçada.
Ao se perceber como vítima, ela acaba com sua vida e a dos seus filhos. Um complexo negativo tomou conta da jovem mãe. O complexo agiu com autonomia, o ego dela ficou inativo, ela não foi capaz de raciocinar e pensar nas consequências das suas atitudes. O inconsciente se sobrepôs ao consciente.
Muitas vezes, nós mulheres, somos “poluídas” com excessos diversos. Excessos de vozes perturbadoras, que insistem em proclamar: você não vai dar conta; você não é boa suficiente; isso é coisa de homem; não adianta tentar você não será aceita, não conseguirá. Cuidado, você será julgada como “louca”. São vozes que refletem crenças enraizadas, que nos fazem desistir de planos e projetos. Vozes negativas que nos apequenam, paralisam e nos impedem de exercer o nosso fluxo criativo.
A criatividade é um tipo de instinto inerente ao feminino, que tem suas raízes no físico e penetra a nossa alma, através de nossas experiências, fantasias, pensamentos, emoções e memórias.
Clarissa Pinkola Estés escreveu: “Precisamos nos proteger do espírito destrutivo, compreendendo o que causa o enfraquecimento e definhamento do nosso processo criativo.”
Quantas vezes realizamos tarefas domésticas ou triviais e deixamos projetos pessoais de lado?
Concordam que é comum perceber mulheres procrastinando sua autorrealização ou desenvolvendo aquilo que será aprovado por terceiros, ou que irá gerar maior reconhecimento?
A maioria das mulheres, ainda não reserva tempo livre para imaginar, sonhar, não prioriza o autocuidado, não investe em fortalecer suas ideias e projetos pessoais. Somos impelidas a nos sufocar.
“A mulher precisa ter o cuidado de não permitir que o excesso de responsabilidade (ou de respeitabilidade), roubem o tempo necessário para seus êxtases, improvisos e repousos criativos” suplica Clarissa Estés.
Como em outras histórias, as mulheres desse conto, não têm nome, não têm identidade própria. São retratadas devido ao relacionamento com o rico fidalgo. Uma é a pobre jovem, com quem o homem teve dois filhos, a outra, como a futura esposa rica.
Como resgatar o cuidado ao feminino tão desvalorizado e negligenciado por nós?
O processo cultural durante anos, desprezou ou domesticou a energia feminina. Fomos ensinadas a aceitar, a nos curvar, a nos alinhar com o masculino para obtermos status e poder. Aprendemos também a nos comportar de forma semelhante ao homem, para alcançarmos reconhecimento e voz.
Criar um espaço de pensamento e sentimento dentro de nós, se faz necessário. Ouvir a nossa essência, estabelecer conexão com o mundo interno, perceber a nossa alma, escutar os ritmos que ressoam do nosso interior.
Nesse trecho, Clarissa cita: A “Síndrome das Harpias” que destruiu através do menosprezo aos nossos talentos e esforços e através de um diálogo de enorme depreciação. A pessoa diz, “Bem, acho que eu devia fazer isso e aquilo.”
A Harpia responde, “que ideia idiota, ninguém vai ligar para isso.” E continua, “é ridiculamente simplista. Ora, ouça o que lhe digo, suas ideias são todas estúpidas, as pessoas vão rir, você realmente não tem nada a dizer.”
A harpia que dialoga com o feminino é perversa, com requinte de crueldade, contamina a nossa mente, nos impele a refrear ideias, nos atormenta com pensamentos negativos que nos leva a arruinar nossos planos.
São atributos do feminino a criatividade, o cuidado, a fertilização, a gestação, a bondade e a nutrição.
O que brota do seu interior?
Em quantos momentos, despreza a sua intuição?
Quais os desertos habitam em você?
O que está fazendo para resgatar seu instinto feminino?
O quê você precisa deixar para se conectar com sua personalidade?
Jung no livro: Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, escreveu, “Primeiro, ela leva os filhos no ventre, depois seu instinto materno se sobrepõe brutalmente e aniquila sua personalidade”.
A mulher dá a sua própria personalidade, importância secundária, sua personalidade, frequentemente é menos consciente, pois ela vive a vida, através dos outros e se identifica com eles.
A leitura do conto Águas claras: O sustento da vida, publicado no livro Mulheres que correm com os lobos, contribuirá para que você reflita sobre o que pulsa em você.
Boa parte das mulheres, carece de autocuidado, negligencia sua própria integridade, refuta sua intuição e vive replicando o que esperam dela, sem autoconfiança.
O que você pode fazer por você hoje?
Como nós mulheres, podemos nos apoiar?
O que construiremos de forma propositiva, para respeitar a nossa essência?
_____________________________________________________________________________________________________
ALICE COELHO – Analista Junguiana. Mestranda em Intervenção Psicológica no Desenvolvimento e Educação – FUNIBER. Especialista em Psicologia Analítica – Faculdade Bahiana de Medicina e Saúde Pública (BA)/IJBA. Especialista em Psicologia nos extremos. Foco Suicídio e Autolesão. Pós Graduada em Psicoterapia Analítica e Processo Criativo e Facilitação de grupos – Faculdade Bahiana de Medicina (BA)/IJBA. Formação em Psicologia nos extremos. Curso reconhecido pelo MEC. Foco Suicídio, autolesão. Coach pela ICI – Integrated Coaching Institute. Graduada e Pós graduada em Administração – UFBA.