Nos tempos atuais o avanço da Medicina, da tecnologia, das mídias sociais, das mídias de informação e de outros setores nos proporcionam benefícios inestimáveis. Por outro lado, e parece que sempre tem um outro lado, todo este avanço pode trazer malefícios com prejuízos também inestimáveis.
O avanço da Medicina produz técnicas, instrumentos e medicações de última geração com o objetivo de aprofundar diagnósticos e com isso melhorar o tratamento de doenças físicas e psíquicas. São conquistas importantes que nos dão a possibilidade de vivermos mais tempo e com maior qualidade de vida, apesar obviamente o impacto econômico que isso produz.
Os avanços tecnológicos e dos canais de comunicação como redes sociais, agilizam contatos entre as pessoas e acesso a todo tipo de informação. As facilidades que estas tecnologias nos proporcionam nos permitem ter tempo para realizar outras atividades, porém na prática todas essas atividades estão voltadas para fora, nos afastando de nós mesmos, retroalimentando uma hiperatividade superficial.
Estas conquistas de extrema importância nos dão a possibilidade de vivermos mais e melhor. Por outro lado, se isso é uma realidade, qual a razão de surgir cada vez mais casos de depressão, de síndrome do pânico, de suicidas, de crianças com diagnósticos de TDAH, de dependências de drogas licitas e ilícitas, de uma série de doenças psicossomáticas e de cada vez mais o surgimento de famílias disfuncionais?
Mediante a tudo isso surgem questionamentos, como: Qual o sentido de poder viver mais tempo? Qual o sentido de agilizar meu tempo? Será que temos prontidão para lidar com esse tempo? Será que estamos preparados para termos contato com nosso mundo Interior?
Percebo que são perguntas complexas, mas importantes de serem feitas e que precisam de um caminho, de um ritmo e aprofundamento que não é compatível com a velocidade dos tempos modernos. Podemos viver nosso dia a dia sem perder o foco de nós mesmos, reconhecendo nossa persona e nossa sombra. O problema está quando temos a dificuldade de nos ouvirmos e de não sermos sinceros com nós mesmos. Desta forma, também corremos o risco de projetarmos no outro nossos aspectos sombrios, não nos apropriando de nosso potencial criativo e transformador. Quando isso acontece vemos o Mal e o Bem no outro e não em nós mesmos.
A falta de contato com nós mesmos além de levar a projeções também pode fazer com que não percebamos o outro. Não vemos o que está acontecendo com a pessoa que está conosco no dia a dia e que imaginamos amar.
Em minha prática clínica recebo pais de crianças e adolescentes que ficam surpresos quando o filho adoece fisicamente/emocionalmente. Muitas vezes estes pais só procuram ajuda porque a escola encaminhou o filho por apresentar comportamentos inadequados, como déficit de atenção/hiperatividade, comportamentos de desrespeito com colegas ou figuras de autoridade da escola, baixo rendimento escolar, consumo de drogas e/ou bebidas. Infelizmente, algumas destas famílias que procuram a psicoterapia para o filho, não conseguem responder a questões básicas sobre o mesmo ou descobrem que o pai sabe de coisas que a mãe não sabe e vice versa. Por outro lado é comum ouvir os pais dizerem, em comum acordo, que seu filho fica muito tempo conectado em jogos, vídeos, “zapzap” e que desconhecem o conteúdo. Também é comum clientes chegarem desolados porque descobriram a traição de um dos parceiros e que muitas vezes foi facilitado pelo acesso às redes sociais. Portanto, não foram percebidos os sinais de adoecimento do si mesmo e do outro. Desta forma, as relações entre os membros da família aparentam distanciamento e superficialidade.
Na verdade o desenvolvimento cada vez maior das tecnologias é de suma importância e as dificuldades apontadas até agora não são de responsabilidades desses avanços, mas a dificuldade está em nós usuários que não sabemos usar com parcimônia e a nosso favor. O uso exagerado de remédios para dormir, para ansiedade, depressão e o uso exagerado das redes sociais ou de jogos virtuais demonstram a dificuldade em se conectar consigo mesmo e com as pessoas que amamos, que estão próximas de nós, mas ao mesmo tempo distantes.
A falta de conhecimento do Si mesmo e o avanço tecnológico também podem trazer impactos devastadores em algumas sociedades. Isso acontece quando homens com poder e com acesso na atual indústria bélica projetam suas sombra e seus lados maléficos nos outros, podendo provocar destruição em massa. Jung, há mais de 50 anos atrás já relatava em sua obra a preocupação com o homem que não integra em si seus aspectos demoníacos e os transformam contra sua alma e a alma dos Outros:
“O homem conquistou coisas utilitariamente fabulosas, mas em compensação escancarou o abismo no mundo e como conseguirá parar, se ainda for possível? Depois da última guerra mundial ainda se esperava que a razão predominasse; a espera continua ainda, mas já estamos fascinados pelas possibilidades de fissão do urânio e prometemos a nós mesmos uma era de ouro – a maior garantia de a abominação destruidora crescer ilimitadamente. E quem é o causador de tudo isso? É o espírito humano considerado inofensivo, engenhoso, inventivo e sensato, que infelizmente não tem consciência do demonismo inerente a ele. Sim, este faz tudo para não se defrontar com o próprio rosto ,e todos nós o ajudamos na medida do possível. Deus nos livre da psicologia, pois tais digressões poder-nos-iam levar ao autoconhecimento! Preferimos as guerras a isso, pois elas são sempre a culpa do outro…” (Jung, OC, Vol 9/1 págs 254,255).
A possibilidade de olhar para si mesmo, de se ouvir e de ter a coragem de transformar o que precisa ser transformado respeitando o próprio ritmo, permite a reflexão verdadeira e profunda da questão: Qual o sentido de viver? Se consigo encontrar um sentido profundo para o meu viver, então todos esses avanços da modernidade estarão a serviço do meu propósito e não mascarando minha angústia de transformação. Consigo me perceber e consigo perceber quem está ao meu redor, reconhecendo e respeitando a angústia do outro a partir da minha própria.
Desta forma, posso estabelecer relações profundas com meu mundo interno e com as relações que me dão sentindo. Os avanços da Medicina, das redes sociais e das tecnologias podem ser auxiliares de uma vida com sentido em busca da integração com o Si mesmo, desde que usadas a serviço da Alma. Mas, para isso, é necessário a coragem do autoconhecimento, encarando a sombra e os contrapontos sexuais que existem em nosso aparelho psíquico.
*Maria Aparecida Teixeira Sette: Psicóloga com especialização em Psicologia Junguiana e Psicossomática. Membro analista em formação do IJEP.
Consultório: (11) 3682-6042 98569-9375
Referência: Jung, C.G., Os Arquétipos e o inconsciente coletivo (OC, Vol. 9/1). Petrópolis: Ed. Vozes.
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