Carlos São Paulo, médico e diretor do Instituto Junguiano da Bahia, responde perguntas sobre isolamento social, a partir da observação da instabilidade e do estado de indefinição das pessoas – análises clínicas

“As pessoas, diante da instabilidade e do estado de indefinição, apavoram-se como se essas condições não fossem uma situação comum e necessária na experiência do viver. O invisível sempre nos assombrou desde a infância. É da natureza esta tendência, a se ocultar, mas se revela em seus efeitos. A psicoterapia, por exemplo, é um ato de tratamento que visa a descobrir o que se oculta. A medicina que trata dos microrganismos tem como função descobrir o invisível, por meio da observação com instrumentos. Houve uma época de nossa história, em que os ratos anunciavam a peste com a sua morte. Era um pequeno animal que se via e, de uma forma direta, sem saber do oculto, os médicos mediam a diminuição dos ratos mortos, até que chegou o momento da humanidade festejar o seu término.”

Pergunta – Estamos assistindo, pelos veículos de comunicação, que há no Brasil uma mistura entre o crer e não crer que o isolamento social vale a pena. A que se deve isso?

R- Sabemos que a ideia em conter a contaminação é de grande importância para própria humanidade. No entanto, o medo do inimigo invisível se opondo à angústia de sofrer perdas de pessoas ou o empobrecimento, em um plano inconsciente, poderá ser compensado com a militância política invertendo a situação em seguir a ciência com os seus métodos estudados no mundo inteiro e definidos como o único meio adequado para conter o Covid-19. Para isso, muitos precisam se apoiar em alguma liderança que possa ficar no lugar da segurança que, na infância, eram as figuras dos pais e, depois, o ter dinheiro. Os homens, quanto menos evoluídos, mais necessidade têm em se agruparem, formando tribos para obter sua segurança.

P – Essa situação do medo parece que fez as farmácias venderem muito, não só os medicamentos que se põe em dúvida sua aplicação científica, como também os remédios da psicofarmacologia. A que se deve isso?

R- Ao desamparo pleno, com esta coisa inédita, que é o risco de morrer ao adoecer, contaminar-se, empobrecer, perder pessoas e, quanto maior esse medo, maior a angústia. Daí a compensação, quando não foi feita com o comportamento de servir a uma liderança negativa e se expor, faz uso das anfetaminas e toda essa psicofarmacologia, com a finalidade de diminuir a angústia. Toda angústia carrega uma verdade e, enquanto não se tem consciência dela, procuramos compensações das mais diversas formas. Por trás dela, tem o nosso eu com algo que precisamos proteger, e a dificuldade está na sua finitude. No mundo moderno, a comunicação passou a ser a grande ilusão que atualiza o que na infância nos metia medo, como o “bicho-papão” que vem nos pegar. Estamos com medo do oculto que nos ameaça. Esse oculto, na forma de um microrganismo, é também de uma forma simbólica daquilo que se esconde em nossa psique pessoal, como a personalidade desconhecida cujos atos prejudicam a si e aos outros, até que ela se revele e o homem sinta essa necessidade de conhecer seus aspectos sombrios. Nesse estágio, Deus quanto experiência com o inconsciente coletivo, revela-se no sagrado com o qual o homem precisa se relacionar para só então compreender o que há por trás da mensagem da sua angústia.

P – Qual a melhor conduta?

R- Como sabemos que existem meios de evitar a transmissibilidade, com os cuidados adequados, também poderemos sustentar a angústia, na medida do possível, sem buscar compensações destrutivas para nós e para os outros, como por exemplo, o de seguir líderes que estão do lado oposto do que a ciência já nos revelou. Há ainda aqueles que compensam por meio do consumo e dos trabalhos excessivos. Seria interessante se conseguíssemos sustentá-la até que descobríssemos esse outro sentido da vida, que talvez possa lhe aparecer em um momento como este, quando se consegue uma relação com o sagrado, e essa outra dimensão, que se manifesta no invisível, mas se revela em nossos sonhos, fantasias e pensamentos.

P- Como estão os sonhos nessa fase?

R- Em nossa experiência, mostram níveis mais altos de ansiedade, ambientes amplos e vazios trazendo a sensação de estar só e outros temas relacionados ao medo do futuro. É difícil fazer uma afirmação nesse campo. Alguns revelam que estão sonhando mais, ou que estão mais atentos aos sonhos, e outros dizem que continuam sem observar o que seu inconsciente revela à consciência. O Dr. Barret, psicólogo da Harvard School que passou quatro décadas estudando os sonhos, declarou, em uma entrevista ao The New York Times, que muitas pessoas estão tendo sonhos estranhos do tipo em que aparecem toneladas de insetos. Uma pesquisa pública, feita por Barret há algumas semanas, revelou que os sonhadores perceberam que seus sonhos relacionados à pandemia apareciam com perigos e ameaças que são difíceis de visualizar – medos abstratos ou perigos invisíveis reais, como um ataque com gás venenoso, maremotos, assim como monstros. Os sonhadores eram agentes da saúde que trabalhavam diretamente com as pessoas com Covid-19. Sabemos que pesadelos se seguem aos traumas e, para sobreviventes com transtorno de estresse pós-traumático, o efeito foi ainda mais pronunciado: sonhos perturbadores frequentes foram descritos como uma marca registrada do Tept (Transtorno do Estresse Pós-Traumático). Seria exagero dizer que estamos traumatizados no sentido de que a psicologia significa. O isolamento social pode fazer as pessoas ficarem instadas a buscar meios de ocuparem-se, desentenderem-se por comportamentos não aprovados pelo outro, temerem que o período se alongue demais, mas nada que possamos traduzir como traumático. Naturalmente o homem cria suas fantasias e, a depender delas, o sofrimento é maior ou menor diante da realidade.

Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br  / www.ijba.com.br