Por Waldemar Magaldi Filho
O processo analítico tem como objetivo fazer com que o ego, que é o administrador da consciência, se engaje no caminho da realização do Self, que C. G. Jung chamou de individuação. Para isso é necessário o reconhecimento e a diferenciação da sombra e dos complexos, para que aconteça a separação simbólica destas referencias e futura integração destes conteúdos. Porém, essa empreitada não é tão fácil, porque os mecanismos que defendem a manutenção do ego alienado, dominado pela sombra e complexos negativos, são muito eficientes e mutantes, dificultando o vínculo ou o avanço na relação analítica, valendo-se, como principal arma, das transferências para o analista.
Dentre todas as possibilidades de transferência, a do complexo materno negativo é a mais perversa, porque matem o analisando na condição de puer, a eterna criança ou adolescente que não quer contrariar a mãe, mesmo quando o psicoterapeuta for homem. Esse dinamismo neurótico é muito frequente e faz com que os analisandos sabotem o processo psicoterapêutico de todas as formas, chegando até a mentir a respeito da sua realidade existencial, para não desagradar ou decepcionar a mãe!
A consequência é devastadora para a análise. Por um lado o analisando filho quer seduzir a “mãe” terapeuta de qualquer forma e, por outro, o complexo ativo usa e abusa de todas suas artimanhas para evitar que a análise evolua, inclusive interrompendo o processo, acusando a transferência como impeditivo. Porém, obviamente, o indivíduo que é vítima deste complexo materno negativo, repetirá o mesmo dinamismo na nova tentativa psicoterapêutica. Sempre projetando a responsabilidade no analista anterior, porque a “culpa” de todo infortúnio, para o puer, é do outro! Porque ele é apenas uma pessoa bem intencionada, alegre, intensa e, infelizmente, azarada.
Jung escreve:
Psicologicamente o puer é uma figura arquetípica que, em sentido positivo, representa uma força psíquica criativa, enquanto o aspecto negativo indica o si mesmo preso no inconsciente e que não se realiza na prática. O desenvolvimento bloqueado depende muitas vezes de uma ligação muito estreita do filho com a mãe (C. G. Jung – Cartas, Ed. Vozes – 2001, Vol. I. pág. 98).
É interessante que a base deste sentimento, que é incestuoso, porque objetiva voltar para o ventre materno, é uma tentativa de experimentar a condição de confiança primordial da época da relação mãe e bebê antes mesmo da estruturação do ego, até os seis meses de vida. A intenção do complexo é satisfazer os desejos nostálgicos e regressivos que, quando não se concretizam por conta da intervenção do analista, produzem sentimentos de raiva e desejo de abandonar a “mãe”, preventivamente antes que ela o abandone. Jung chamou isso de defesa contra a supremacia da mãe, valendo ser qualquer coisa desde que diferente da mãe.
Essa situação faz com que o indivíduo fuja, inconscientemente, da imago parental, para não ser como eles, sem conseguir saber como ele é de fato. Consequentemente, a estruturação da personalidade fica prejudicada e a tentativa estéril e patológica mais comum que surge são as paixões por parceiros igualmente imaturos e, infelizmente, na maioria das vezes egoístas e abusivos, que destroem ainda mais a autoestima e a capacidade e prontidão para o autoconhecimento.
Neste caso a transferência sempre é devastadora para a manutenção da análise, porque o vinculo com o analista é mais forte do que o com a análise. Se o analisando não conseguir compreender que a análise é mais importante do que o analista e que ele tem que enfrentar o complexo dominante, junto com o analista e no processo psicoterapêutico, mais uma vez acontecerá a frustação e, como no mito de Sísifo, partirá para um novo recomeço, por um novo caminho, mas com a mesma pedra, que é o complexo materno negativo e o dinamismo do puer constelado na personalidade. Sempre com o objetivo de seduzir o novo analista na figura da futura mãe que brevemente será abandonada, como defesa contra fóbica ao abandono original.