A Rejeição e a Punição são temas universais, que ocorrem de forma simultânea, pois a rejeição é, em si, uma punição. A rejeição é a não permissão do outro na relação, ou seja, a negação da interação entre sujeito e objeto. Tanto a punição quanto a rejeição causam dores e traumas e fazem ressurgir as feridas infantis, descortinadas pelo abuso psicológico, físico ou sexual e que hoje ainda contaminam a vida do adulto com suas dores. A punição está mesclada com a vergonha e o sentimento de culpa, e este último é atormentador, torturante: é o sentimento de se ter negligenciado algo, isto é, deixamos de cumprir certo dever. Verena Kast (1997) afirma que a rejeição também pode gerar um sentimento de culpa, por expressar o pesar de não sermos, afinal, tão ideais quanto pensamos, ou a raiva de não sermos tão bons quanto, no fundo, gostaríamos de ser.
Para Jacoby (1984), o ser humano tem uma necessidade básica e vital de se refletir, para poder se reconhecer. Necessitamos disso para nos sentirmos reais, aceitos e importantes para outras pessoas e, consequentemente, para nós mesmos. Jung ([1941] enfatiza que descobrimos a criança abandonada acima de tudo nos sonhos, onde nós, uma criança nossa ou até mesmo uma criança desconhecida é negligenciada, esquecida, chora e está em perigo ou necessidade, quando, geralmente, o sonhador assume uma responsabilidade culposa. Também salienta que o casamento evoca, inevitavelmente, a criança abandonada, porque ele representa um lar, um ninho, um santuário para as necessidades dessa criança. Ressalta: “O que é rejeitado em todo o lado deve ser permitido aqui em casa” (§ 365 e 368). Ele vê a repetição como um dos indicadores da presença de complexo ativo, pois o repetir de um conteúdo traumático possibilita que perca pouco a pouco a sua força, ou seja, que os conteúdos nos tomem sem a nossa consciência ou vontade do evento, provocando reações inesperadas; contudo, quando parece que há intenção egoica, nós nos tornamos mais libertos.
Até mesmo na infância mais privilegiada, a vida pode ser vivenciada como traumática. Podemos até concluir que a personalidade adulta não examinada é muitas vezes um agregado de atitudes, comportamentos e reflexos psíquicos ocasionados pelos traumas da infância, cujo objetivo fundamental é controlar o nível de sofrimento experimentado dentro de nós. Assim, criamos uma série de estratégias escolhidas pela nossa frágil criança, para lidar com a angústia existencial, causada em grande parte pela rejeição, punição e abandono. Esses comportamentos e atitudes são tipicamente agregados antes dos cinco anos de idade e são elaborados dentro de um surpreendente leque de variações estratégicas com um motivo comum – a autoproteção. Por conseguinte, a criança tira grandes conclusões a respeito de como lidar com o mundo, porque ela não consegue incorporar uma personalidade que se expresse livremente.
As feridas, bem como as várias reações inconscientes adotadas pela criança, tornam-se fortes determinantes da personalidade adulta. Logo, vivemos inconscientemente reflexos agregados do passado. É possível que esse adulto prefira a solidão, pois, se receber muita atenção, corre o risco de ser desprezado e, se tiver que compartilhar experiências com mais pessoas, tentará passar desapercebido, sob a capa que constrói para si mesmo. Além de vivenciar uma constante ambivalência, quando escolhido, não acredita e pode chegar até mesmo a sabotar a situação; por outro lado, quando não escolhido, sente raiva, por ser rejeitado pelos demais, chegando às vezes a elaborar uma fuga frente às relações, para se proteger do sofrimento gerado pela ferida. Quanto maior a ferida, maior será a rejeição de si mesmo e dos demais a sua volta, o que pode vir mascarado pela vergonha.
Podemos tentar curar a rejeição, buscando valorizar e reconhecer a si mesmo, sem muita aprovação dos outros, procurando inicialmente aceitar a própria ferida como parte integrante de si mesmo; se negarmos, não podemos curá-la! Perdoar para se libertar do passado, primeiramente, a si, pela forma como se tratou e seguidamente de como foi tratado, procurando acolher-se e dando-se principalmente, amor a si próprio.
Contudo, a vida só é trágica à medida que permanecemos inconscientes, tanto do papel dos complexos autônomos quanto da crescente divergência entre a nossa natureza e as nossas escolhas. Cabe a nós escolhermos qual o caminho a seguir…
Socorro do Prado – Especialista em Psicoterapia Junguiana pelo IJBA, Mestra pela PUC-SP e Membro Candidata do IJUSP/AJB/IAAP.