O ano termina

Por Carlos São Paulo

O mundo natalino já está colorido. Os comerciantes em seus anseios por dias melhores estimulam a tradição, enquanto todos nós adultos, em meio a sons melódicos, buscamos  resolver nossos desejos pela reparação daquilo que já perdemos – o estado de encantamento da infância. O resultado desse comportamento compensatório, são crianças abarrotadas de brinquedos, enquanto seus pais preferem o prazer imediato do consumo a se preocupar com as contas a pagar do futuro. De onde vem essa imposição do final de ano? Deve-se apenas ao estímulo do comércio? Ou o comércio é uma conseqüência natural dessas nossas necessidades?

Jung nos explicou que o homem é um ser simbólico e que toda a humanidade se une por uma natureza manifesta no que ele chamou de inconsciente coletivo. Ou seja, em algum nível, temos as mesmas necessidades. De acordo com C. G. Jung, aprendemos sobre o comportamento humano quando estudamos as expressões míticas das culturas antigas. Para ele, o nosso modo de funcionar utiliza-se de uma consciência que se expressa de forma lógica, enquanto uma outra dimensão mental – o inconsciente – se expressa de forma não lógica, ou seja, analógica, como nos sonhos. Assim, no final do ano, trocamos caricias simbólicas por meio de mensagens, acompanhadas, na maioria das vezes, de presentes, devido a uma demanda inconsciente do humano para interagir uns com os outros por meio dos rituais.

O efeito psicológico dessa atitude, principalmente quando se faz em rituais, é dar à vida mais significado e evitar sentir os dias sempre iguais. Aqueles com participações efetivas nesses cerimoniais podem perceber a singularidade dos seus dias e viver a tão necessária e saudável vida simbólica, propiciada pelos ritos. Assim, você faz planos no final do ano, espera uma vida melhor, faz uma retrospectiva do que foi o ano, mas o que é importante é participar do amigo secreto e das trocas de caricias afetivas por diversos meios simbólicos. Vejam o exemplo do futebol, o ato de torcer traz a sensação de poder vencer qualquer situação da vida e é ai que as emoções se misturam. Quando somos crianças, podemos transformar um cabo de vassoura em um lindo cavalo. Ao crescermos só enxergamos o cabo de vassoura, o concreto. Na maioria das vezes, não se cumprem as promessas feitas na virada do ano, mas  mais importante que cumprir tais planos é o ato de evocá-los e fazer contato com essa dimensão interior tão desejosa de uma transformação.

É comum a toda humanidade, abrir e fechar ciclos. Por mais que o final do ano seja uma convenção, ninguém fica impassível, pois a demarcação simbólica do final de alguma coisa e o começo de uma outra, cria a saudável ilusão de renascer para a vida. Temos muita ansiedade com as transformações em nossas vidas. Então viver o ritual do luto daquilo que termina com a alegria do que começa, nos leva a ter emoções mais positivas dessas mesmas transformações. Por essas e outras razões desejo, a todos, que nesse Natal comecem a perceber as singularidades de cada dia e aprendam a arte de amar a si mesmo no outro. Aproveitem a saudável experiência de existir para si e para o outro. Boas festas e muitos planos para o ano que vai nascer.       

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Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br