O cérebro, que é uma máquina viciante e unilateral, por ser regida exclusivamente pelo princípio do prazer e pela necessidade de segurança territorial, sempre irá valorizar a dimensão material e instintiva presente ancestralmente no animal primitivo em busca da Bio-Sobrevivência. Por outro lado, temos a alma, também chamada de psique, numa atitude opositiva e incomodativa ao cérebro, que nos leva para a dimensão espiritual em busca da virtuosidade, possibilitando a instalação do princípio da governança servidora, que implica na descentralização do poder, na transparência e, acima de tudo, nas atitudes altruístas do servir para poder ser.Obviamente, por conta deste complexo oppositorum, entre a ditadura do cérebro, que funciona na polaridade binária, e a alma, é que surgem a angústia e todas as tentativas de alívio alienante, como medicações psicoativas, drogas ou fanatismos obsessivos, como ser medalha olímpica, ficar milionário, ser o mais belo ou o mais puro e fiel seguidor de qualquer religião.
Quando o cérebro domina o que surge é uma espécie de escravidão monotemática. Sem perceber, quanto mais o indivíduo deseja a riqueza, mais ele fica as voltas com a pobreza. Da mesma forma, quanto mais ele quer a cura, mas ele encontrará a doença. Porque o cérebro trabalha pela oposição e para evidenciar um lado na consciência, o outro também terá que ficar evidenciado no inconsciente.
Escrevo isso motivado pelo drama de uma mulher que atendo como analista junguiano. Ela sofre profundamente com as questões de território. Na sua fantasia paranoide, tudo e todos querem tirar seu poder. Obviamente já foi medicada e toma, como a grande maioria da população, antidepressivos, estabilizantes de humor e soníferos, mas como esses medicamentos tentam modificar o comportamento pela mudança bioquímica do cérebro, mas não são capazes de modificar as crenças, eles servem apenas como paliativos.
Enquanto a crença de que ela é um ser superior e inteligente, injustiçado e perseguido, porque ninguém consegue lidar com sua imaculada ética e infalibilidade, na sua capacidade de controle e planejamento, e por isso a desprezam, rejeitam ou excluem, jamais conseguirá sair desse complexo oppositorum sofrido e dramático.
Esse é o desafio da análise, porque até o analista é absorvido pelo complexo, correndo o risco de ser colocado na mesma dimensão do seu entorno relacional, que a discrimina e rejeita, criando um ciclo vicioso dominado pelo cérebro, que exigirá, cada vez mais, remédios, até que um colapso aconteça. Neste caso, a saída é parecida com o que aconteceu com a história bíblica de Jó, que teve que lidar com a ambivalência de Javé, ao ter que pedir ajuda a Deus contra o próprio Deus, porque esse é o drama tremendo e fascinante da dualidade humana, que é sagrada por excelência, porque Javé, assim como o Self, que é representante da totalidade psíquica, contém a dualidade e é representado pela imagem de Deus.
Para complicar um pouco mais, a mudança de atitude que possibilite a diminuição da autonomia do complexo, necessita do ato da vontade. Este, por sua vez, acontece pela influência do desejo, que representa o vazio ou a falta, produzindo mais um paradoxo, porque exige a aceitação da angústia como condição existencial. Como o cérebro sempre vai tentar criar padrões de repetição, em busca de prazer, segurança, gratificação e recompensa imediatos, com o menor esforço possível, as possibilidades viciantes são as mais frequentes. Com isso, toda a dimensão e potencialidade inconsciente acaba sendo negada pelo ego fascinado com a ilusão do poder e a equivocada sensação de controle e segurança advinda do padrão de repetição do complexo dominante.
O objetivo da análise é o de promover a diferenciação do ego, possibilitando a conscientização de que ele é, na perspectiva material do cérebro, uma realidade binária, linear, lógica, egoísta, temporal e finita, fazendo-o reconhecer e servir a existência da alma, que é única, complexa, relacional, criativa, analógica, altruísta, imaterial, atemporal e infinita. Isso irá contribuir para a conscientização da nossa condição plural e diversa e a existência dos nossos aspectos sombrios, fazendo-nos perceber que o perfeito e o absolutamente bom é uma ilusão, porque temos o lado oposto, antes dessa conscientização projetado no outro.
Estar consciente entre as polaridades não é tarefa fácil, porque o tempo todo somos forçados, pela dimensão biológica e material, para assumirmos posições unilaterais. A consequência dessa desintegração consciente para quem sucumbe a um dos lados é a de deixamos de viver simbolicamente, com alegria, diversão e criatividade, percebidas nas crianças saudáveis. Neste caso, no lugar do simbólico assumimos, inconscientemente, a vida diabólica, independente do lado da escolha, porque a unilateralidade nos deixa partidos e em conflito pela divisão, sem capacidade de amar, mas com muito desejo de controle e poder.