Entregar-se para um processo analítico não é para qualquer pessoa, porque essa experiência irá produzir desconforto e incomodo. No início, após a criação do vínculo com o analista, é inevitável o confronto com as referencias parentais, a história biográfica, para conscientização dos padrões recorrentes, e com a sombra, que representa o lado obscuro da personalidade, responsável pelas reações espontâneas de atração ou repulsão do analisando com seu entorno relacional. Só assim o caminho do autoconhecimento vai sendo construído, possibilitando a percepção da condição neurótica, geralmente pautada por sentimentos egoístas, apesar da existência da persona, que é a máscara relacional e profissional, poder estar bem estruturada e funcional, como acontece na maioria das pessoas consideradas socialmente bem sucedidas. Porque, infelizmente, a adaptação nesta atual condição sociocultural mantem as pessoas aprisionadas no consumo, na competição, no desejo de acúmulo patrimonialista, para dar a elas a fantasia do controle, na forma de instrumentos que possibilitam a ilusão da segurança.
Essa condição neurótica é a causa de tanto consumo de substancias psicoativas como antidepressivos, estabilizantes de humor, ansiolíticos, indutores do sono, álcool e todas as demais drogas ilícitas, acrescidas do estímulo aos comportamentos abusivos e compulsivos presentes na maioria das práticas laborais e sociais. Por isso, entregar-se para um processo analítico não é tão agradável. Porém, se o processo vai além da “papoterapia”, esse enfrentamento irá possibilitar a diferenciação e o reconhecimento de que o analisando está vivendo nesta condição de miserabilidade neurótica, mesmo quando tem práticas alimentares saudáveis, faz uso da meditação e frequenta alguma religião, porque a maioria das vezes tudo isso é apenas aprendizado e condicionamento da persona, de fora para dentro – sem alma.
O resultado da superação desta primeira fase da análise permitirá a percepção da infelicidade comum e, a partir daí, o despertar de uma ação mais consciente e crítica, que possibilita transformação do analisando, tirando-o da sua atitude egoísta para agir como agente transformador desta condição alienada e neurótica, presente na maioria solitária, que vive atolada de insatisfações, desejos, medos e ambições numa contínua fuga de si mesmo, muitas vezes camuflada na conquista incansável de experiências prazerosas, apesar do vazio interior. Isso é o que Carl Jung nomeou como processo de individuação, onde a pessoa encontrou sentido e significado para sua vida, servindo a humanidade de forma amorosa e altruísta.
A análise passa por várias fases, começando pelo período confessional onde o analisando, de forma catártica, relata sua história de vida, ab-reagindo emocionalmente, possibilitando a expressão dos complexos. Depois disso, por meio da relação com o analista, que deve tentar atuar como um espelho, o menos deformado possível para que o analisando consiga ver suas qualidades e deformações, vai acontecendo a elucidação dos relatos, possibilitando melhor compreensão, dessensibilização da carga emocional produzida pelos afetos e até a ressignificação de algumas crenças. Neste momento, já é possível a compreensão de que todas as experiências, mesmo as mais dolorosas, são dotadas de propósito sincronístico e teleológico do caminho evolutivo. Com isso, começam acontecer as transformações. Porém, não podemos esquecer de que toda mudança, mesmo que seja para melhor, gera medo, desperta mecanismos de defesa no âmbito celular, neurológico, bioquímico, psicológico e relacional. Ou seja, a empreitada não é fácil e exige muito foco, dedicação, coragem e persistência.
São analisadas, além da história de vida, todas as emoções vivenciadas entre uma e outra sessão psicoterapêutica, com o intuito de reconhecimento dos afetos desencadeadores. Com isso é possível o reconhecimento da presença dos complexos, que interferem, autônoma e compulsoriamente, na vida das pessoas, ocupando o espaço da consciência do ego. Os complexos, quando constelados, adulteram todo o esquema corporal, a expressão verbal e a estrutura racional, alterando as funções de pensar, sentir, perceber e intuir, transformando as caraterísticas da personalidade. A isso associamos as produções oníricas, com toda sua complexidade arquetípica, simbólica e, na maioria das vezes, surreal, porque os sonhos possibilitam a abordagem mais direta ao inconsciente, assim como as coincidências significativas, sem justificativas e correlações com o tempo e o espaço, que chamamos de sincronicidade. Além disso, por óbvio, trabalhamos todos os sintomas de adoecimento que podem estar manifestados no corpo físico, nos comportamentos e atitudes, interferindo em todas as relações interpessoais do analisando.
Waldemar Magaldi Filho
Psicólogo, analista junguiano, mestre e doutor em ciências da religião, professor e coordenador dos cursos de pós-graduação, lato-sensu, que titulam e formam especialistas em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC e Arteterapia do IJEP – Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa. Autor do livro: “Dinheiro, saúde e sagrado” – Ed. Eleva Cultural.