A ideia de algo acontecendo consigo mesmo, enquanto o inconsciente poeticamente se expressa dentro de uma relação terapêutica, é o desafio que o livro de Eduardo Rozenthal, O Ser no Gerúndio, procura explicar o trabalho que os analistas enfrentam. Considera os símbolos percebidos e os acontecimentos que não se apresentam como símbolos, resultantes dos fragmentos contidos nas “pequenas percepções”, como necessários se levar em conta para uma boa análise.
O habitual, nesta coluna, é colocar no Divã um livro de literatura e analisá-lo sob a ótica junguiana. No entanto, faremos aqui uma exceção para trazer um livro paradidático. Este é analisado a fim de considerar, não a poesia da linguagem do inconsciente e sim, as inovações do autor no seu modo de explicar a análise por meio do modelo freudiano.
Chamava-se de símbolo (symbolon) a um objeto que os antigos gregos partiam, em dois pedaços irregulares, e servia para enviar um mensageiro com um dos pedaços para encontrar o outro que detinha o segundo pedaço. Conferir o encaixe perfeito das duas peças era o equivalente a checar uma assinatura e atestar a veracidade da mensagem. Essa é a analogia que poderemos fazer com o analista que traz à luz a outra parte que habita o nosso mundo interior de trevas e consegue encaixar no que pôde ser percebido.
Os símbolos são produzidos sob medida e decorrem de uma atividade à semelhança do que fazem os poetas. É como um algo que vive dentro de nós e, por não reconhecermos, o trocamos por uma angústia diante das muitas ofertas a nos desafiar a fazer escolhas.
Freud ampliou o conceito de sexualidade de tal modo que evita a confusão desse conceito com o sexo propriamente dito. Eros é uma ação que busca realizar o desejo de se completar no objeto. Essa denominação foi dada pelos antigos gregos à divindade do amor. Sponville, um filósofo francês, diz que o amor não é completude, mas incompletude. Não fusão, mas busca. O amor é desejo e desejo é falta. Quando dizemos que uma mãe busca no corpo do filho sua realização sexual, deveremos entender que, no lugar de realizações de uma vida adulta, com práticas afetivas adequadas, haverá uma potencialização inconsciente por meio da simbolização do corpo erógeno desse filho.
A psicoterapia não é uma simples técnica e nem a falta de premissas filosóficas, mas nessa obra o autor esmiúça a psicanálise e conecta a filósofos como Foucault e Leibniz para o entendimento da pulsão que se manifesta na análise. Admite que a psicanálise não poderia existir se não houvessem inovações dos seus seguidores quanto aos procedimentos clínicos.
Traz o filosofo alemão Leibniz para considerar, dentro do encontro analítico, as “pequenas percepções” que são impassíveis de representações simbólicas e necessitam da arte do analista para acolhê-las. É como comparar o som imperceptível das gotas que compõem as ondas do mar com o rumor dessas ondas quando quebram na praia. Mostra ainda o encontro de ideias de Freud e Foucault nos enunciados que só podem ser ditos com o ser no gerúndio, realizando-se, isto é, algo acontecendo.
A pulsão é o resultado do mistério que habita a interface entre o corpo e o espírito sem, no entanto, deixar de ganhar forma dentro do modelo freudiano. Jung utiliza-se de outros termos para essa mesma dimensão. Ele transformou o pulsional e a sexualidade em energia psíquica que não é apenas de valor erótico no seu fundamento.
Rozenthal comenta que o analista procura entender o real que se confunde com o simbólico. O corpo, em busca do que lhe falta – talvez o paraíso infantil perdido -, fica diante de inúmeros objetos mágicos oferecidos pelo mundo virtual. E transforma, não a falta dos objetos concretos, e sim os objetos psíquicos, em queixas como a falta de tempo, estresse, insônia, imaturidade prolongada e outras tantas reclamações. Movimentos sociais sem ideologias, a exemplo dos Blacks Blocs, talvez seja uma forma de a sociedade manifestar a confusão entre o real e o simbólico.
Prevalece em nossa cultura, uma mídia que se ocupa em trazer o que parece saciar a incompletude do ser. Esquece-se da dimensão espiritual ou imaterial. Inúmeras vezes confunde o simbólico com o literal, por meio de religiões que, em lugar de se renderem aos grandes mistérios da existência e se ocuparem com os rituais e seus símbolos, procuram explicar e atender as necessidades apenas do corpo erógeno. Confundem o pequeno Ego com a totalidade do ser.
Os jovens, muitas vezes, perdem suas vidas ao se afundarem nas compulsões e adições. Estes são sintomas que gritam para alertá-los de que precisam voltar para outro caminho que atenda à totalidade do seu ser e mergulhar nos mistérios que só se consegue quando se respeitam os símbolos que guardam seus segredos, revelando a outra face de sua verdadeira necessidade acontecendo.
O tempo nos envelhece e, nesse processo, aprendemos com a vida. Esse aprendizado, quando verdadeiramente se cumpre, leva o analista a poder dar as mãos aos jovens que o procura e fazê-lo aprender a viver com dignidade e respeito. Encontrar o verdadeiro destino a cumprir, ao cuidar dos seus corpos físico e subjetivo.