Os sonhos, para Carl Gustav Jung, famoso psiquiatra suiço, criador da psicologia analítica, sempre foram seus guias, desde a mais tenra idade, para a sua vida cotidiana, as suas escolhas, os seus medos e incompletudes. Percebeu, a partir de sua própria autoanálise, que os sonhos contêm imagens e associações de pensamentos que não criamos através da intenção consciente. Eles aparecem de modo espontâneo, sem nossa intervenção e revelam uma atividade mental alheia à nossa vontade arbitrária.
Jung considera o sonho um retrato fiel da situação interna do sonhador. É, portanto, uma construção cheia de riquezas. O sonho não se esconde. Nós é que não conseguimos compreender sua linguagem. Muitas vezes, no sonho, encontra-se a solução de vários enigmas criativos. Como exemplo, Jung cita o caso do químico alemão Kakulé (século XIX). O referido cientista refere que quando pesquisava a estrutura molecular do benzeno, sonhou com uma serpente que mordia o próprio rabo. O sonho fê-lo concluir que esta estrutura referia-se a um círculo fechado de carbono, o que possibilitou a descoberta da estrutura do benzeno. A serpente que morde o próprio rabo é chamada de uróboro, um símbolo antiquíssimo da alquimia.
Mas o que seriam os sonhos, essas vívidas imagens sensório-motoras, experimentadas por nós no sono como se fossem reais apesar de se mostrarem frequentemente bizarras? Para onde vamos quando sonhamos?
Quando sonhamos entramos num lugar que não é consistente e nem consciente. Saímos do mundo consensual da realidade ordinária do mundo da vigília e penetramos numa espécie de mundo “virtual” da nossa mente, um espaço ficcional repleto de deuses, ninfas, heróis e criaturas míticas. Nesse mundo encontramos diversos personagens que são nossas experiências com tonalidades afetivas vestidas com as mais diversas formas de imagens. A partir dessa dimensão parece brotar tudo o que é criativo. Jung encontra no espaço onírico uma representação do inconsciente coletivo.
O inconsciente coletivo é como um sistema operacional biológico e complexo, ultra sofisticado, inato a todos os humanos, matriz de onde viemos e sob a qual construímos a nossa existência. Essa matriz contém aptidões virtuais de comportamento, os arquétipos, correspondendo a formas sem conteúdo, que ao serem preenchidas por experiências formam imagens subjetivas, que compõem a legião de personagens que habitam os nossos universos ficcionais.
Nos sonhos, ao nos desligarmos do mundo da vigília, entramos em contato com esses personagens inconscientes. Dessa forma, o antigo mestre, ou meu professor, num sonho não é apenas algum potencial intelectual de minha totalidade psíquica. Essa figura é a do mentor arquetípico que, por enquanto nesse sonho, usa as vestimentas desse ou daquele professor, muitas vezes que eu conheço ou que parece com um personagem de filme ou de um romance que li. Meu irmão e pai onírico não são nem representações de seus ‘eus’ vivos, nem partes de mim mesmo. São imagens de sonho que preenchem papéis arquetípicos. Para toda imagem inconsciente, algum arquétipo está sendo representado.
A possibilidade de diálogo do consciente (o nosso mundo vigil) com o inconsciente (o mundo virtual, que aparece nos sonhos e na imaginação) encontra-se na base da psicologia junguiana e equivale a uma navegação por mares desconhecidos. Graças a essa navegação conseguimos evoluir e adquirir conhecimento. Na psicoterapia junguiana buscamos interagir com os personagens inconscientes, os arquétipos “vestidos” e personificados, o que promove um aumento no bem estar mental e emocional.
A consciência pode aprender a interagir e se aproximar das imagens inconscientes com respeito. Basta prestar atenção ao que as imagens querem fazer. Essas imagens envolvidas com o mistério vão gradativamente mostrando a trama dos significados que estão ocultos nas nossas decisões e escolhas. O desenvolvimento da nossa personalidade está em se relacionar com a natureza através de nossas figuras da imaginação
Mas como nós podemos ter mais intimidade com os nossos sonhos? Algumas dicas poderão te ajudar:
Intenção- querer lembrar dos sonhos.
Ter um diário de sonhos. Separe um caderno e todos os dias, anote tudo o que se lembrar sobre seus sonhos. Ao acordar, permaneça deitado na cama, sem se mexer. Abra e feche os olhos, tentando voltar ao sonho. Perceba com que humor despertou. Ao anotar o sonho, escreva qualquer imagem que você se lembre. Pense no sonho durante o dia e anote as associações no diário. A manutenção deste diário ajuda a fortalecer a consciência e promove a criatividade.
Tornar-se “amigo” dos personagens dos sonhos – temos que explorar a historia, ruminá- la, refletir e voltar a experimentá-la.
Concentração com toda atenção em uma imagem onírica que seja bem impressionante. Observar a imagem sem critica. Existem temas, imagens, ações ou emoções que se repetem nos sonhos (chamados de sinais oníricos). Alguns desses sinais reconhecemos na nossa vida ordinária (da vigília). Começamos a percebê-las quando iniciamos o nosso diário de sonhos.
Desenhar, pintar, fazer colagens, esculturas das imagens oníricas, como forma de reviver o sonho. A cor desperta o impacto emocional do sonho.
Contar os sonhos, a um psicoterapeuta, um amigo ou um grupo, que pode ser presencial ou virtual. Devemos procurar ser fiel às imagens do sonho, sem julgá-las como certo ou errado.
Ermelinda Ganem