Por Carlos São Paulo
Pedra Branca, era uma cidade onde os moradores se conheciam e, quando aparecia um estranho, acionava a curiosidade de todos, que logo partilhavam uma informação sobre aquele visitante. O professor Zacarias dava sua aula e explicava que há coisas no mundo que não sabemos esclarecer, mas não é por isso que devemos dizer que elas não existem. O professor se referia há um “boato” que circulava na cidade, em que aparecia para algumas pessoas, duas garotas muito estranhas.
Um idoso perguntou a uma jovem que passava:
– Quem são aquelas jovens?
– Não estou vendo ninguém, senhor.
A jovem balançou a cabeça, como a negar alguma coisa. Estava convencida de que o senhor estava demente. Decepcionado, o velho ficou mais intrigado ainda e quis se dirigir às estranhas criaturas quando se deu conta de que um jovem também olhava para aquele mesmo lugar. Resolveu, então, abordá-lo:
– Meu rapaz, você está vendo aquelas duas moças? Quem são elas?
– Estranho, nunca tinha visto essas meninas por aqui? São crianças ainda, devem ter no máximo dez anos e são gêmeas idênticas.
O ancião, com os olhos arregalados e sem saber se o rapaz estava de brincadeira, perguntou:
– Não são duas jovens em torno dos seus vinte anos?
– Não, vovô, o senhor não está enxergando bem. Veja como uma delas está olhando para o senhor e a outra parece olhar para o céu.
O senhor, para se livrar da confusão, não discutiu e preferiu sair dali com pressa para chegar em casa e contar a sua experiência. Uma dúvida lhe assaltou no caminho: “Estaria começando a ter aquela doença em que os velhos esquecem tudo? Será que minha vida já passou?” Eram perguntas que lhe assaltavam a mente e imaginou os jovens zombando dele. Diminuiu os passos e, ao chegar em casa, contou à sua única companhia, sua filha Maria Rosa, a mais velha, e a deixou preocupada. Esta pensou em procurar o médico da cidade quando se lembrou do professor Zacarias e de Dona Nair a benzedeira, mas escolheu o professor.
– Bom dia professor, que bom ter lhe encontrado.
– Bom dia, por que foi bom ter me encontrado?
– Preocupada com meu pai.
Ao explicar o caso, o professor lhe orientou a observá-lo mais e que apoiasse o pai. Além disso, nem tudo é doença, a natureza guarda seus segredos. E como ele gostava de filosofar para manter essa identidade de sábio, explicou:
– Ao nascermos, sabemos de todos os segredos do universo, mas à medida que crescemos, nos esquecemos deles. Não sabemos explicar o que está acontecendo nesta cidade, pois outras pessoas também viram as tais meninas.
Pedra Branca era um lugar bucólico, a preguiça fazia com que seus habitantes não notassem a vida passando. Viviam como uma flor descendo a correnteza de um córrego, notando seu caminho apenas quando algum obstáculo impedia sua passagem. Parecia que cada um sabia de tudo sobre o outro, e compensavam com as fofocas. Daí, quando uma pessoa perguntava pelas garotas jovens, a outra geralmente dizia que não viu nenhum estranho e, muito menos, gêmeas idênticas.
Um alvoroço tomou conta da cidade. Alguns apostaram que viram as gêmeas, e outros acharam que as pessoas criaram um mito. Afinal, como desapareceram? Onde viviam?
Em meio a um longo discurso, o prefeito da cidade anunciava o privilégio que tiveram com a chegada das extraterrestres. Havia quatro testemunhas que viram o disco voador pousar. Elas deram entrevistas para os jornais e, à medida que os fatos viralizavam na internet, a cidade passou a ser alvo das agências de turismo. Muitos queriam conhecer o local aonde aquelas criaturas chegaram. O povo dizia que elas tinham formas diferentes. Não dava para explicar muito.
Na praça, embaixo do pé de barriguda, esse era o nome da árvore onde os conhecidos se reuniam para conversar, Zezinho de Chico conversava com Seu Manoel da Manteiga e procuravam uma explicação.
– Manoel, eu vi, com meus próprios olhos que um dia a terra há de comer, duas moças iguais e até me deu vontade de chegar perto. Uma força estranha me arrastava, mas eu resisti. Tenho meu Agnus Dei. Segurei nele e fui embora.
– Zezinho, peço desculpas, mas não acredito nessas coisas, não. Seu Chico da Quitanda disse que viu se dissolverem. Ele parece que está caduco.
Chegou o professor Zacarias. Os homens reagiram como se estivessem recebendo um presente. Todos naquela cidade sabiam o quanto aquele homem lia e conhecia sobre todas as coisas. Seu Manoel foi o primeiro a falar.
– Que bom que o senhor chegou, professor. Nós aqui estamos cheios de dúvidas. O senhor soube das duas moças que chegaram ao largo da igreja? Uma delas se sentou em um banquinho verde, que agora está sendo motivo de as beatas rezarem olhando para ele. Por favor, nos explique, o que aconteceu.
Zezinho parecia uma criança prestes a descobrir o que recebera de presente. O professor parecia pensar muito.
– Meus amigos, o que é real? O que existe? A vida é frágil, curta e repleta de ilusões. O que aconteceu foi um evento e não uma coisa.
– Ué! Professor! Explique melhor — disse Chico da Quitanda.
– Sr. Chico, o banco verde é uma coisa e está aí para vocês verem. Já as meninas são eventos. Os eventos passam, estamos aqui conversando embaixo desta árvore. A árvore é uma coisa, vai permanecer. Nossa conversa é um evento. Não faz sentido perguntar depois para onde foi nossa conversa.
Zezinho, então, concluiu.
– Professor, as meninas foram um evento. Isso quer dizer que não faz sentido perguntar para onde foram?
– Isso mesmo, Seu Zezinho.
Chico olhava espantado para o professor e pensava: “Meu Deus, sou burro mesmo, não entendi nada. Vou fingir que entendi”. O professor percebeu e lhe disse:
– A culpa, Chico, nem sempre é de quem não entende o que é dito, mas às vezes é de quem explica o que não se pode entender. Um dia chegaremos ao mundo dos sonhos. É um mundo colorido onde dispensaremos o nosso conceito de verdade. Lá o encontro do mar com o céu será entendido por todos e não apenas pelos poetas.
___________________________________________________________
Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br