Experimentar mudanças é um desafio que requer posturas assertivas para uma atitude acertada. Recorremos aos nossos conhecimentos e, muitas vezes, precisamos de outra pessoa para uma orientação ou troca de experiências. Analiso aqui, a pedidos, a obra de Spencer Johnson, Quem mexeu no meu queijo.
A quantidade de livros de autoajuda cresceu demais no mundo. Talvez tal sucesso se explique pela necessidade humana em compensar a vida tão complexa que levamos. Cada vez mais, as pessoas buscam textos de leitura simples e com receitas diretas como esse livro que ora analiso.
O primeiro livro de autoajuda de que tivemos notícias partiu de um médico britânico, Samuel Smiles. Trata-se da obra Self-Help, lançado em 1859. A ênfase era dada ao cumprimento do dever individual e não à realização pessoal. Essa obra ensinava a importância de se desenvolver um bom caráter “por ser um dos objetivos mais nobres da vida”, como ele explica no livro. Não é esse o foco de Spencer, analisado aqui, e nem poderemos fazer generalizações que possam caber todas as obras de autoajuda.
Em Quem mexeu no meu queijo há um direcionamento do modo como se deve decidir, quando diante de uma mudança importante, sem levar em conta as questões econômicas, sociais, históricas e políticas que nos envolve no cotidiano e, muito menos, os complexos que nos atordoam dominando o espaço de nosso livre arbítrio a nos impedir de colocar em prática o que sabemos como certo.
Este livro narra um grupo de antigos colegas que se reúne para falar de suas vidas. Um deles afirma que conseguiu grandes mudanças em seus negócios quando escutou uma história. Essa história, que ele conta na reunião, tem como cenário um labirinto, dois ratos: Sniff e Scurry; além dos dois duendes que agiam como as pessoas de hoje, eram eles: Hem e Haw. Estes, diferentes dos ratos, não se aprontavam para as eventuais mudanças e se acomodavam. Entravam numa rotina para viver as mesmas atividades do cotidiano.
Um dia, os ratos percebem que seu estoque de queijo estava sumindo e, vendo que ele acabara, partem para uma nova busca da fonte de sobrevivência. Enquanto isso, os duendes, como os homens, se apavoram com a situação e criam em seus mitos a ideia de um culpado e pensam no seu estado de direito e justiça. A energia é consumida nessa elaboração e não em um planejamento de decisão diante do novo.
Na rotina não precisamos decidir e, com isso, não gastamos a energia da criatividade cujo consumo é maior do que se manter no não criativo sem o desafio e o envolvimento das emoções necessárias à vida. Nossas férias podem nos cansar mais do que a rotina, pois teremos que enfrentar situações não habituais e tomar decisões fora do padrão. Mas é isso que faz a vida ser intensa, ganhar energia e gastá-la. O pneu do carro fura e nos tira da rotina, mas faz circular o dinheiro que ajuda a manter o borracheiro em seu ofício.
O decidir foi trazido por Malcolm, em seu livro Blink, como algo a ser feito pela intuição, num piscar de olhos. Outro autor, Partnoy, escreveu Como fazer a escolha certa na hora certa, e este último se contrapõe ao primeiro no aconselhamento para se tomar uma decisão. Confiar na intuição pode ser um caminho para uma pessoa com vasta experiência em um assunto. Porém quando não se conhece algo, saber usar a função psíquica intuição certamente vai ajudar muito. Por outro lado, diversos estudos mostraram que quanto mais embasados em números e evidências, maiores serão as chances de uma decisão correta. Entendemos que a melhor opção seja aliar intuição, experiência e um vasto conhecimento. Por isso há situações que precisamos dos olhos do mentor para enxergar melhor.
Os ratos são instintos e, na natureza, a expressão desses instintos está nos rituais. O homem, ao ter a função da reflexão, transforma esses ritos em mitos. Não há mitos sem interditos. Todo interdito tem duas direções: a do sagrado e a do profano. Interdito é o próprio tabu designado por um totem. Cada um de nós, ao se deparar com o inesperado, precisa tomar decisões. O inesperado pode ser a não percepção do mundo ao redor, a não consciência do que lhe acontece.
Os ratinhos seguiam a sabedoria natural, farejaram e perceberam em seus ritos o que deveriam enfrentar. Os duendes, como seres reflexivos, transformaram os ritos em mitos e estes direcionaram as suas escolhas. Quando o mito se origina do rito pessoal, esse interdito chama-se “ética” – que é o modo de ser. Mas quando vem do rito coletivo chama-se a esse interdito de “moral”, que são os costumes. Assim, Ham, acometido de um complexo, traduziu a moral da justiça e foi injusto consigo mesmo. Enquanto Haw seguiu sua ética e tentou por algumas vezes ajudar o amigo.
Hem mantinha um apego ao que perdera e não concordou em abandonar o paraíso perdido. Para ele ainda valia lutar pelo seu passado, inconformado com a sina e querendo a restauração dos seus direitos. Haw conseguiu não ser afetado pelo passado e se colocou voltado às novas conquistas. Desistiu de aconselhar o seu amigo Hem por entender que conselhos não adiantam para quem não quer ou não pode aceitá-los. Ou seja, todos os livros de autoajuda que Hem pudesse ler, não o iriam levar a nada, por isso, talvez, ele devesse ler outro tipo de literatura – como Dostoievsky -, para atingir outro nível de compreensão do mundo, ou fazer análise para entender seus complexos e encontrar o sentido de sua vida.
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Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@carlossaopaulo