Um Paciente Chamado Brasil

Notícias sobre corrupção há anos tem atormentado a vida dos brasileiros. Como parte da nossa rotina, é um fenômeno complexo, uma sombra endêmica e enraizada na cultura a qual, para sua compreensão, exige um estudo multidisciplinar.

Dentro desse enfoque, poderíamos perguntar quais os fatores psicológicos que poderiam propiciar esse tipo de comportamento, não dos grandes corruptos, mas referente a pequenas corrupções tão frequentes em nosso cotidiano, perpetradas não por bandidos, mas pelo cidadão comum. Se considerarmos o “Brasil” um doente cujo sintoma é a corrupção, qual seria então a origem de sua doença?

Inúmeras pesquisas revelam a existência de um sentimento profundo de menosprezo e abjeção do brasileiro em relação a sua identidade nacional, como expressão de um complexo de inferioridade cultural. As consequências deletérias desse complexo são refletidas em várias áreas, dentre elas na perpetuação de desigualdades sociais, no caráter excludente da estratificação social e nas questões éticas.

Na busca do conflito original, que estaria no cerne desse complexo de inferioridade, destacamos os principais fatores presentes na formação do país: mito de origem, projeções estrangeiras, escravidão e colonização.

Como em toda neurose, o trauma do nascimento repete-se compulsivamente em vários tipos de patologia. Assim observamos que o mito fundante edênico do Brasil colabora para o estabelecimento de um sentimento de inferioridade desde os primórdios, uma vez que o único valor atribuído às novas terras e seus habitantes paira em torno da sensualidade, da atratividade carnal e das riquezas da natureza. Inúmeras projeções de estrangeiros, desde o século XVI até a presente data, confirmam essa imagem. E o pior é que o brasileiro, na busca de uma identificação positiva, assimila a projeção, incorpora-a como sua e a reproduz. Repete-se, assim, um mecanismo neurótico na tentativa de se achar uma solução para esse dilema.

A esse fator, acresce a estruturação dos arquétipos parentais, onde temos a imagem de um pai europeu, que tem como únicos objetivos a exploração e o enriquecimento rápidos. Fascinado pela nudez das indígenas, o europeu reprimido abusa da ingenuidade da população. A mãe índia dá a luz a uma criança bastarda que é abandonada pelo pai e rejeitada pela tribo materna. A imagem do mestiço como filho de um pai abusivo tem seus reflexos mais evidentes no preconceito e na contundente estratificação social vigente.

Portanto, a incapacidade de se basear nas figuras parentais, para se criar um ideal de desenvolvimento, gera vergonha e mantém engessadas as articulações de um nacionalismo saudável. Tanto a vergonha quanto ao desamparo indicam aqui outro sintoma do mesmo complexo de inferioridade. Alguns fogem da vergonha incorporando e reproduzindo o pai-bandido, assumindo uma persona bravata do tipo “comigo ninguém pode”, nem mesmo a lei. Reproduzindo inconscientemente o comportamento exploratório paterno, usa-se a terra de modo predatório. O objetivo é “tirar vantagem”, criando uma falsa superioridade.

Os discursos moralistas são engolidos pelo complexo paterno negativo e, portanto, são ineficientes. A busca de uma saída para esse impasse também é dificultada pela ausência do mito do herói, como precursor do desenvolvimento egóico e do processo de individuação. Numa cultura patriarcal, ele contesta o pai e impõe novos valores conquistados por próprio esforço. Mas, como contestar um pai abandonador que não reconhece o filho? Diferentemente do colonizador inglês, respeitado pelos norte-americanos, o pai português é motivo de escárnio. Ao ridicularizá-lo, o brasileiro sente-se superior e ao mesmo tempo nega qualquer possibilidade de tomá-lo como modelo. O afeto ausente no pai é procurado em figuras de líderes políticos autoritários e corruptos, mas que através de seu “protecionismo afetuoso” inibem a queixa de um possível denunciante.

Como reclamar daquele que abusa do poder, mas estende a mão e protege? A história é plena de exemplos de como regimes ditatoriais preencheram a lacuna do pai ausente. A opção pela democracia e pela igualdade engendrada pela razão é difícil de ser mantida num povo carente de identidade parental. A criança abandonada tem irmãos abandonados e recorre à malandragem para enredar conluios que lesam o pai, projetado na lei. O complexo de inferioridade aqui ativa também a polaridade negativa do puer aeternus (arquétipo da criança eterna) e cria a imagem de um país eternamente jovem, cheio de riquezas e belezas tropicais. A ilusão do puer é de que amanhã será magicamente melhor do que hoje.

A falsa impossibilidade de realização no presente é compensada por fantasias de grandiosidade e comportamentos espúrios. O filho bastardo, ilegítimo, reproduz a ilegitimidade pela oscilação entre baixa autoestima e fantasias maníacas, expressas na grandiosidade de gigantescas festas carnavalescas, por exemplo. Assim, cria-se um círculo vicioso, onde a impossibilidade de realização das fantasias megalomaníacas faz crescer o sentimento de inferioridade, favorecendo a baixa autoestima.

Sem a consciência dos fatores inconscientes que geram essa patologia, os esforços públicos e privados terão um efeito somente repressor, e, portanto, serão temporários.  Uma verdadeira mudança só ocorrerá com o enfrentamento doloroso do conflito inicial e com o suportar consciente da tensão entre as polaridades inferioridade – superioridade.

Dessa forma, a assimilação consciente do conflito original, não é somente um sofrimento, mas é o caminho da cura, à medida que pode permitir a liberação de grande energia e a constelação de novas forças na consciência coletiva brasileira.  Com a autoestima resgatada, não haverá lugar para a corrupção como patologia da cultura. Ela ficará restrita somente ao conflito consciente entre o bem e o mal. Mas, isso já é outra história.