No final da manhã do dia 16 de abril do ano 2008, eu conversava com um amigo criminalista sobre diversos assuntos, quando ele me trouxe a informação do caso de uma criança jogada, supostamente pelo seu pai e madrasta, do sexto andar de um prédio. Fui tomado por uma reflexão e mobilização da alma. Constatei depois, por dados estatísticos, o quanto o assunto interessou, largamente, às pessoas, praticamente em todas as faixas etárias.
C. G. Jung, um psiquiatra suíço do início do século XX, foi responsável por uma psicologia coerente com as novas descobertas científicas. Aprendi, com a psicologia junguiana, uma maneira de entender o comportamento humano por meio da análise do inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo se revela nas elaborações dos mitos, lendas, folclore, religiões e contos de fadas. Fui buscar a compreensão nos contos de fadas, como sempre faço quando algo diferente do habitual me chama a atenção.
Cinderela é um conto de fada cuja versão mais antiga surgiu na China, por volta de 860 a.C. O conto faz um relato a respeito de uma adolescente cujo pai omisso deixava acontecer as mais injustas ações da madrasta sobre a sua enteada. Enquanto isso, as filhas da madrasta gozavam de todos os privilégios. Quando criança, eu já me intrigava com a seguinte questão; por que o pai da Cinderela não a defendia? Sorte dela ter a Fada Madrinha, eu pensava. Para Jung, o conto de fada é a humanidade sonhando. Por meio dele aprendi sobre os padrões de comportamentos participativos da vida das pessoas inconscientes desses fenômenos.
O conto de Cinderela me revelou o quanto a intromissão de uma madrasta na relação de um pai com sua filha modifica tudo aquilo naturalmente esperado. Considero como naturalmente esperado a condição de uma filha sentir por seu Pai a proteção, fascinação, lei, proibição e a ligação com o espírito. Poderíamos aqui questionar se não estou descrevendo uma situação mais simples e bem diferente do caso da criança Isabella? A situação de Isabella foi extrema, mas nem por isso deixaremos de considerar tratar-se do mesmo tema arquetípico da madrasta nos contos de fadas. Certamente, os casais nessa condição, tão freqüente, de ter a madrasta participando de forma inadequada na formação da filha do seu marido, estariam mais de acordo com o conto de Cinderela, no entanto, não é notícia de jornal.
Isabella, a criança cuja vida parou na infância, ficará eternizada como símbolo de nosso momento histórico-cultural. Talvez símbolo de uma crise importante de consciência da humanidade. Desconheço a estatística de casos semelhantes, mas do ponto de vista da Cinderela, sem dúvida, existem muitas menininhas cujo pai se tornou omisso aos maltratos de sua esposa para com a enteada. A situação é grave porque essa primeira figura masculina, na vida de uma menina, constrói a experiência do seu vínculo com o sexo oposto, e, por isso, deveria promover a proteção e segurança, e não a ameaça à vida.
Peço em nome de todas as crianças, vítimas da omissão dos seus pais, para que todos os meus leitores não esqueçam dessa lição, mesmo surgindo mudanças sobre a autoria desse crime no qual uma criança foi vítima. Junto com o corpinho de Isabella, também se perdeu na cena dramática e de terror aquele sorriso de esperança para uma humanidade melhor. Uma humanidade ocupando-se de evoluir por meio do seu mundo interior tanto quanto tem evoluído no mundo concreto das grandes conquistas tecnológicas. Qual o futuro da família humana? Quando o homem poderá seguir verdadeiramente o símbolo Cristão para ser parte de uma humanidade capaz de substituir o medo do próximo pelo amor ao próximo? Construir uma imagem de Cristo sem vínculo com o capital (poder/medo), mas ligada ao respeito pelo próximo e ao compromisso de tornar-se mais consciente da vida.
Isabella, representando as crianças jogadas no jogo da vida, faz-me pensar em sua morte como um sacrifício para essa nossa humanidade adquirir poder de consciência na construção de um mundo melhor.