Por Dimas Künsch
“A arte de viver é a mais sublime e a mais rara de todas as virtudes.”
Carl Gustav Jung
Em: “As etapas da vida humana” (OC 8/2, par. 789).
“Envelhecer é uma merda”
Eu estava ali na livraria, naquela tarde de sábado, para o lançamento de um novo livro de um dos mais prestigiados repórteres brasileiros. Cheguei um pouco mais cedo, e tive a sorte de ser o segundo de uma extensa fila de gente esperando por um autógrafo. À minha frente encontrava-se alguém meio encurvado, só o via pelas costas. Era uma pessoa velha.
Conheço o autor do livro que estava sendo lançado e sua trajetória profissional. Um dos jornalistas mais premiados do Brasil, hoje com 86 anos de idade e sempre ainda muito ativo em sua profissão, é difícil imaginar um estudante brasileiro de jornalismo que não tenha ouvido falar dele e que não o reverencie.
Não tinha ainda iniciado o ritual do lançamento, quando vejo o nosso autor se deslocar uns metros de distância da mesa de autógrafos para cumprimentar o número 1 da fila. “Você está velho, hein, cara?”, é como o nosso repórter e autor de renome se dirigiu a ele.
E, aí, foi engraçado. Alheios a todo o clima, quase glamour do momento, os dois personagens mantiveram uma conversa de uns cinco minutos, não sobre “a arte de viver, a mais sublime”, segundo Jung, mas sobre “a merda que é ficar velho”.
A ideia de que ficar velho é uma merda foi trazida pelo número 1 da fila, que logo eu perceberia se tratar igualmente de uma pessoa conhecida – e admirável. Famoso e reverenciado como o nosso autor, o número 1 da fila hoje está com 73 anos de idade. Se me coubesse montar uma lista imaginária de homenagens ao jornalismo com inicial maiúscula, eu nem saberia dizer, neste momento, qual dos dois personagens ocuparia o primeiro lugar, se o autor do livro ou se ele, o número 1 da fila de autógrafos.
Estavam ali ambos, de repente, debulhando um rosário imenso de lamentações.
Muito engraçado!
Quem é de tradição católica sabe que um rosário, com suas ave-marias e pai-nossos, se compõe de três terços. Em cada terço, a pessoa que reza contempla um conjunto de “mistérios” da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Há os mistérios dolorosos, os mistérios gloriosos e os mistérios gozosos. “No primeiro mistério doloroso contemplamos a agonia de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras…” E por aí vai…
Na rápida conversa que mantiveram um com o outro, os dois muito queridos e famosos repórteres se concentraram nos mistérios dolorosos da vida humana. E só.
Ali, naquele momento, a velhice aparecia como sinônimo de pura dor e miséria. E eu não estava nem um pouco certo de que, se mais tempo tivessem para a troca de lamentações, conseguiriam romper a barreira do mau humor e dos ressentimentos contra a velhice, para vislumbrar alguma glória e algum gozo na vida.
Intercambiaram figurinhas sobre suas dores, uma pior que a outra, como se estivessem brincando de quem consegue contar uma desgraça maior.
Imaginei a seguinte cena, como parte possível do diálogo dos desafortunados:
– Ganhei! – proclama o autor do livro. – Essa minha dor é pior que a sua!
– Ganhou, não! Eu é que ganhei! – retruca o número 1 da fila. – O seu braço direito dói bastante? No meu caso, me dói também o esquerdo e mais as duas pernas! Você é um pobre! Um perdedor! Sou mais cheio de dor do que você! Se toque!
Confidenciaram segredos sobre remédios, alimentação, bons hábitos… “Saudade dos tempos antigos!”, um sussurrou ao pé do ouvido do outro, com um sorriso meio suspeito na cara. Acho até que sei o que estava pensando.
Angustiante, a conversa. Me deu até uma certa preguiça de escutar aquele lero-lero. Envelhecer, ali, me pareceu uma verdadeira descida ao inferno de Dante, sem nenhum propósito declarado de arrancar das trevas do desalento a Beatriz amada. Sem garantia alguma de se retornar algum dia de lá. Inferno da dor e do sofrimento!
“Sim, envelhecer é uma merda”, concordou o repórter-autor, encerrando a conversa densa, intensa, plena de significações. Estava sendo convocado para mais uma entrevista para uma emissora de televisão.
“Sobre a brevidade da vida”
Não é o caso, eu entendo, de se tirar conclusões apressadas, nem muito menos de se tentar dourar de algum modo a pílula. Quem já passou de suas sessenta primaveras – eu, por exemplo –, tendo atingido a estação que Jung gosta de chamar de outono da vida, sabe que a coisa não é de se brincar.
Sobram, para quem atravessou os limites da última fase da vida, os “prazeres duvidosos da velhice”, reflete Jung (7/1, par. 88). De repente, ainda segundo Jung, a pessoa percebe que “o que antes significava para ela progresso e satisfação não passa de engodo”, e essa pessoa, num “misto de desencanto e inveja”, vê descortinar-se à sua frente “o fim de todas as ilusões” (7/1, par. 90).
São dores físicas, as que nos acometem com o avançar dos anos, mas não só. Porque, sendo o ser humano complexo, multifacetado, dual, como a gente sabe, é interessante a gente não esquecer que o padecimento maior costuma “vir da alma”, como ensina o Herr Doktor Jung (7/1, par. 1).
São dores típicas dessa fase da vida em que, como diz Mário de Andrade, a gente conta os anos vividos e descobre ter menos tempo para viver a partir daqui do que o que viveu até agora. “Nós temos duas vidas”, escreve o poeta. “E a segunda começa quando você percebe que só tem uma.”
“Eu digo, revise e reconte os dias da sua vida”, escreve Sêneca: “Verá que sobraram para você poucos e sem valor” (2020, p. 37).
Um dos maiores representantes do estoicismo romano – o outro é o imperador Marco Aurélio –, Sêneca (ca. 4a.C.- 65) escreve em seu tempo sobre a brevidade da vida. Até me lembra Hipócrates, com o seu famoso adágio de que “A vida é breve e a arte, longa”.
Gosto de pensar que Hipócrates – me perdoem o parêntese –, por “arte”, entende a arte da cura: a arte médica. Longa é a conversa com quem é acometido pela dor. O juízo (médico) é difícil. O tempo oportuno para se agir, verdadeiro kairós, é fugidio.
Ao assumir o “paciente” como sujeito (de fala) e primeiro e mais importante tecedor da narrativa (sujeito, e não objeto! Um Tu e não um Isso, diria Martin Buber), Hipócrates me lembra sempre o melhor da arte terapêutica junguiana e de quantos militam por essas sendas.
Outro dia eu comentava com uma médica, amiga minha, que conheci uns anos atrás numa clínica do meu antigo plano de saúde. Ia lá por causa do meu eterno problema com (o risco de) câncer de pele. Parei de ir. Deus me livre! Então passei a frequentar a clínica particular da minha amiga dermatologista, com direito a um bom desconto e consultas sempre muito agradáveis. Um amor, a doutora!
– Nossa! – eu dizia para ela. – A consulta, lá naquele clínica do plano de saúde, não durava mais que cinco minutos!
– Eram cinco minutos, em média – ela me corrigiu. – Agora são três.
Mas voltemos a Sêneca, que dá um sentido diferente ao termo “breve”, quando ele fala da vida.
Breve, de verdade, segundo ele, é a vida dos “ocupados”, essa espécie nada rara de gente tola que adora ficar buscando a felicidade lá onde a pessoa acaba só encontrando infelicidade, mais angústia e mais dor.
“A arte de viver é a mais sublime e a mais rara de todas as virtudes”, aponta Jung (OC 8/2, par. 789). Jung, como se sabe, não está se referindo a alguma coisa que você um dia aprende, e pronto. Ele fala de uma vivência, uma experiência de vida: não é uma arte que “é”, mas uma arte que se vive, vivendo.
Uma arte-acontecimento.
“Deve-se aprender a viver por toda a vida, e, por mais que você se admire, toda a vida é um aprender a morrer.”
Poderia ser Jung quem está dizendo isso. Mas não é, pelo menos desta vez e com essas palavras. É de novo Sêneca, que opõe o caminho do “ócio” ao caminho dos “ocupados”.
“Muitos dos homens mais importantes”, escreve Sêneca (2020, p. 35), “tendo abandonado todos os empecilhos e renunciado às riquezas, aos cargos e desejos, buscaram uma única coisa até a mais extrema velhice: saber viver”.
Mas o mesmo Sêneca constata que muitos desses homens, todavia, “deixaram a vida tendo confessado ainda não saber.”
Morreram sem saber o que é viver, é o que Sêneca está dizendo.
Arte que não aconteceu, então.
Acho até que Sêneca, o estóico, está exagerando bastante, ao imaginar que tanta gente importante esteja elegendo o caminho do bem viver, fugindo às ilusões do ter, do poder e da glória. Talvez Sêneca esteja mais correto ao comentar que não basta eleger o caminho dessa arte, que Jung considera “a mais rara de todas as virtudes”. São muitos os que querem, mas não conseguem. De novo: morrem sem saber.
Vejo Sêneca conversando com Jung através dos séculos, quando distingue entre existir e viver.
Existir é uma coisa. Viver é outra.
Cito Sêneca textualmente: “Não se deve julgar que alguém viveu por muito tempo por causa dos cabelos brancos e rugas: ele não viveu muito tempo, mas existiu muito tempo”.
“De fato – se pergunta Sêneca –, consideraria ter navegado muito quem, logo que tivesse saído do porto, fosse carregado para lá e para cá por uma cruel tempestade e vicissitudes dos ventos de diversas direções, tivesse sido forçado a mover-se em círculos pelo mesmo lugar? Este não navegou muito, mas foi muito sacudido” (Sêneca, 2020, p. 39).
Triste é a sina dos “ocupados”, ou dos “sacudidos”, essas almas pueris oprimidas pela velhice! “Chegam a ela despreparados e desarmados, pois nada providenciaram: caíram nela de súbito e sem esperar, não percebiam que ela chegava dia após dia” (Sêneca, 2020, p. 46-47).
Diferente é a condição, a atitude dos “ociosos”, esses bem-aventurados, virtuosos, que sabem tirar sentido de todo canto e de cada esquina da vida, mesmo da dor. Mesmo da merda da vida!
“Dentre todos, apenas são ‘ociosos’ aqueles que estão disponíveis para a sabedoria, só estes vivem; pois não apenas cuidam bem de seus anos, mas também a eles adicionam toda a eternidade” (Sêneca, 2020, p. 69).
Estar disponível para a sabedoria – eis a questão. Algo bem diferente daquela ideia maluca de que ser velho é ser sábio.
Pode ser.
Pode.
Como pode ser qualquer outra coisa, agradável ou desagradável.
Entre os muitos diálogos que é possível tecer com o ócio – que não é sinônimo de preguiça, mas de virtude –, a arte do saber viver a velhice pode buscar “acalmar-se com Epicuro, vencer a natureza humana com os estóicos, ultrapassá-la com os cínicos”, sugere Sêneca (2020, p. 69).
Sêneca nos coloca desta forma em contato com três importantes correntes filosóficas daqueles tempos, o epicurismo, o estoicismo e o cinismo. As três se fundam na ideia de uma ética como a arte do bem viver. Trata-se de uma parte importante da herança do que restou da Grécia Clássica.
Uma Grécia que não existia mais nos tempos de Sêneca, depois de invadida, pilhada, devastada pelos exércitos macedônios e tendo de sobreviver, a partir dos anos 320 antes de Cristo, sob o comando dos novos donos do poder.
Tempos difíceis!
“O mundo envelheceu”, era o que se escutava dizer, entre os escombros.
“Melhor morrer logo”, diziam os mais desanimados.
Ouço, no meio dessa tristeza toda – os mistérios dolorosos –, a voz dos cínicos: cuide do ser, porque o ter, ter e ter coloca você em contato direto com o mundo da produção da dor. Mundo dos ocupados. Dos sacudidos.
Mundo do negotium, a negação do ócio.
Ouço Epicuro, proclamando que vencer a dor é possível, e sugerindo, qual Jung dos tempos antigos, o cultivo da arte da imaginação.
Ouço Sêneca, pleiteando vida em plenitude,
Vida vivida, não apenas existida.
Velhice sábia. Se não longe da dor, pelo menos a uns bons passos de distância da pura merda. Da falta de sentido e de propósito.
“Laudatores temporis actis”
Qualquer discurso sobre a velhice nos dias de hoje nos remete forçosamente ao fato de que há mais gente vivendo vida mais longa – ou apenas existindo, para lembrar Sêneca. Talvez sobrevivendo, mal e porcamente. Quiçá vegetando.
Para além dos números, das estatísticas, mil coisas poderiam ser ditas sobre essa situação, algumas dessas coisas, de amargar.
O sistema capitalista triunfante, voraz até a medula, transforma prontamente tudo em indústria, a serviço da sede insaciável do capital. Assim, como nem poderia deixar de ser, temos hoje também uma indústria florescente da velhice, com mil ofertas de consumo para os bem-aventurados que, em consumindo, existem: consumo, logo existo!
É nesse palco de muito malvadas assimetrias de toda ordem que a “sociedade do desempenho” (Byung-Chul Han) conversa animadamente com o descarte do velho, o consumo, a infelicidade e a dor.
E não custa lembrar que, incensando muitas vezes essas injustiças todas, correm por todo lado uns discursos meio trôpegos sobre isso que gostam de chamar de “a melhor idade” e sobre um tempo, supostamente feliz, de o velho fazer e acontecer.
Carpe diem, velho!
Realize o seu sonho!
Viva a vida que até agora não viveu!
Argh!
Sugiro estarmos atentos ao modo de Jung ver as coisas. Sempre muito lúcido e realista em suas ponderações sobre a vida, não importa muito se antes ou se depois de o sol ter atingido o zênite, o pai da Psicologia Analítica nos propõe o desafio da arte de viver! A mais difícil.
“Vida tão difícil de possuir completa e tão triste de possuir parcial” (Fernando Pessoa).
“O que preocupa”, assegura Jung (7/1, par. 113) sobre essa fase da vida, “não é mais a questão de desembaraçar-se de todos os empecilhos ao exercício de uma profissão, ao casamento ou ao fazer qualquer coisa que signifique expansão da vida. Estamos diante do problema de encontrar o sentido que possibilite o prosseguimento da vida”.
A arte de viver, nesta segunda fase da vida tem assim a ver, precipuamente, com a busca por sentido, como propõe Jung.
E ele acrescenta que por vida é bom a gente entender “algo mais do que simples resignação e saudosismo”.
“Nossa vida compara-se à trajetória do sol. De manhã, o sol vai adquirindo sempre mais força até atingir o brilho e o calor do apogeu do meio-dia. Depois vem a enantiodromia. Seu avançar constante não significa mais aumento e sim diminuição de força. […] É enorme o engano de supor que o sentido da vida esteja esgotado depois da fase juvenil de expansão […]. O entardecer da vida humana é tão cheio de significação quanto o período da manhã” (Jung, 7/2, par. 114).
Nessa segunda fase da vida, o “objetivo natural” da manhã deve abrir espaço para o “objetivo cultural” do entardecer. “Para atingir o primeiro objetivo, a natureza ajuda; e, além dela, a educação. Para o segundo objetivo, contamos com pouca ou nenhuma ajuda”, sublinha Jung, falando a partir de sua Suíça encantada da primeira parte do século passado, entre uma guerra mundial e outra.
O que mais ocorre nessa fase da vida, sempre de acordo com Jung, é a entrega patológica a uma montanha enorme de ilusões. “É por isso que a passagem da fase natural para a fase cultural é tão tremendamente difícil e amarga para tanta gente” (Jung, 7/1, par. 114), costumando vir acompanhada por uma carga pesada de “rigidez, petrificação, bitolamento, incapacidade de evoluir” dessa espécie de velho a quem Jung atribui o título de “laudatores temporis acti” (Jung, 7/1, par. 116): vivem sonhando com um passado que, de fato, nunca existiu. Fantasiam: “Bons tempos, o tempo da infância, da juventude!”.
“São desagradáveis e até prejudiciais”, reclama Jung no mesmo trecho. “A maneira de apresentar uma verdade ou outro valor qualquer é tão rígida e violenta que a rudeza tem mais força de repulsão do que o valor possui de força de atração – e com isso se obtém o contrário do que se desejava.”
A conclusão de Jung vai num sentido bem diverso do que é oferecido pela indústria da velhice e pelo enlevo das narrativa da “melhor idade”: “No fundo”, diz Jung, “o motivo do enrijecimento é o medo do problema dos contrários” (7/1, par. 116).
E com isso se torna mais compreensível a alusão anterior de Jung ao tema da “enantiodromia”: “O velho Heráclito, que era realmente um grande sábio, descobriu a mais fantástica de todas as leis da psicologia: a função reguladora dos contrários. Deu-lhe o nome de enantiodromia (correr em direção contrária), advertindo que um dia tudo reverte em seu contrário” (Jung, 7/1, par. 11).
Outro jeito parece não haver que fazer da arte da vida, nesta etapa da existência, um diálogo nada fácil com a lei psíquica do confronto dos contrários. “Na segunda metade da vida, o desenvolvimento da função dos contrários, adormecida no inconsciente, significa renovação de vida” (Jung, 7/1, par. 91).
“O que a juventude encontrou e precisa encontrar fora, o homem no entardecer da vida tem que encontrar dentro de si” (Jung, 7/1, par. 114).
“A passagem da manhã para a tarde é uma inversão dos antigos valores. É imperiosa a necessidade de se reconhecer o valor oposto aos antigos ideais, de perceber o engano das convicções defendidas até então, de reconhecer e sentir a inverdade das verdades aceitas até o momento, de reconhecer e sentir toda a resistência e mesmo a inimizade do que até então julgávamos ser amor” (Jung 7/1, par. 115).
Essa busca nada fácil de sentido, pelo velho, esse diálogo tremendamente complicado com o mais profundo de si mesmo e com as promessas e ameaças do inconsciente coletivo – ali onde habitam nossos deuses e nossos demônios – não se dá no mundo da pura ilusão, ou da fantasia nostálgica, da “laudatio temporis actis”. Não está isento de toda sorte de tropeços. Ai, as nossas sombras! Ai, os nossos complexos! Ai, as neuroses todas da velhice, que, segundo Jung, constitui um tempo propício para a manifestação de tanta coisa escondida bem lá no fundo da alma.
“Infelizmente, há muita gente falando do homem, mas sempre do homem ideal, de como seria bom que ele fosse, mas nunca do homem tal como ele é na realidade” (Jung, 7/1, par. 93).
Na agonia da experiência sofrida dos contrários, o risco da unilateralidade nos espreita em cada esquina Nem natureza demais, nem cultura demais!
É o que sugere Jung.
Difícil.
Mas, de novo, quem disse que a arte de viver é fácil?
“É no oposto que se acende a chama da vida”, insiste Jung (7/1, par. 77).
Acho maravilhosa essa imagem da “chama da vida”, colocada ali por Jung, no exato momento em que, como ele diz, a luz e o calor do sol – outra imagem – vão se tornando mais e mais fracos.
“Cumpra-se o seu dever em relação à vida”, velho! “Em todos os sentidos, manifeste sua vitalidade como membro ativo da sociedade humana”, velho! (Jung, 7/1, par. 112).
Difícil, muito difícil!
Terrível.
Mas quem disse que é fácil a arte de viver?!
“Seria muito simples se a simplicidade não fosse verdadeiramente a mais difícil das coisas”, aponta Jung, em O Segredo da Flor de Ouro (2013, p. 33).
Que outro caminho se pode propor para quem quer “vida em plenitude” (Jung)?
Para quem se deixa inspirar pelo desejo mais profundo de fugir da vida besta?
Para o velho e a velha que imaginam poder escapar da ditadura do consumo e da ilusão da felicidade fácil, e em muitas prestações?
Para você e eu que acreditamos que melhor idade não parece existir, a não ser a idade – qualquer idade! –, de tecer cotidianamente o fio de nossa vida… na agonia… e com arte?
“O caminho não é isento de perigo”, adverte Jung. Porque “tudo que é bom é difícil, e o desenvolvimento da personalidade é uma das tarefas mais árduas”.
Antes, durante e depois do meio-dia, “trata-se de dizer sim a si mesmo, de se tomar como a mais séria das tarefas, tornando-se consciente daquilo que se faz e especialmente não fechando os olhos à própria dubiedade, tarefa que de fato faz tremer” (Jung, 2013, p. 35).
Dimas Künsch – Analista em Formação pelo IJEP
Analista Didata – Waldemar Magaldi
Referências
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 22.ed. Petrópolis: Vozes, 2012. (OC 7/1).
JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. 24.ed. Petrópolis: Vozes, 2012. (OC 7/1).
JUNG, Carl Gustav. As etapas da vida humana. In: A natureza da psique. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 343-360. (OC 8/2).
JUNG, Carl Gustav. O segredo da flor de ouro: um livro de vida chinês. Petrópolis: Vozes, 2013.
SÊNECA. Sobre a brevidade da vida humana. São Paulo: Edipro, 2020.